Poder
Publicado em 21/12/2018 12:00 -
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A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou ao Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Michel Temer por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no inquérito dos portos. A denúncia foi feita a 12 dias do encerramento do mandato de Temer e na véspera do início do recesso do Judiciário.
Temer é acusado, ao lado de outros denunciados, de favorecer empresas do setor portuário por meio do Decreto nº 9.048/2017, relacionado à edição de uma medida provisória sobre o mesmo assunto (leia mais abaixo). Temer e correligionários do MDB são suspeitos de operar um esquema que há décadas controla o Porto de Santos com o objetivo de desviar dinheiro de contratos do setor. Ele nega qualquer prática ilícita.
Também são acusados o coronel João Baptista Lima, amigo pessoal e ex-assessor do presidente, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, que ficou conhecido como o "homem da mala" após a delação da J&F, os empresários Ricardo Mesquita e Antonio Celso Grecco e o arquiteto Carlos Alberto Costa.
Essa é a terceira denúncia apresentada contra Temer durante sua passagem pela Presidência da República. As duas anteriores foram assinadas pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot e tiveram o andamento barrado pelo Plenário da Câmara (relembra aqui e aqui).
Denúncia contra presidente da República só pode prosperar com o aval dos deputados. Agora, porém, com a perda do foro privilegiado, Temer poderá ter seu destino definido por outras instâncias da Justiça.
MP da discórdia
Com novas regras para o setor portuário, a Medida Provisória 595/2013, editada no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, foi aprovada em 16 de maio de 2013 a cinco horas de perder a validade, em meio a um verdadeiro turbilhão de protestos da oposição da época, formada principalmente por PSDB e DEM, e disputa de bastidores.
Revogando a Lei dos Portos, que estava em vigência desde 1993, a matéria liberou os portos privados para operarem qualquer tipo de carga, entre outras disposições.
As novas regras concederam à União a prerrogativa da gestão e planejamento estratégico do setor e, para os estados, a prerrogativa de administrar os portos. A medida também permitiu a movimentação de cargas de terceiros nos Terminais de Uso Privado (TUPs) e muda os critérios de desempate das futuras licitações. Para o governo, a proposta daria competitividade ao setor.
Mais 5 investigações
A apuração sobre o decreto dos portos que resultou na denúncia apresentada ao STF encontrou indícios de outros cinco crimes envolvendo o presidente Michel Temer. Com isso, ao deixar o Planalto, o emedebista deverá enfrentar na primeira instância da Justiça quatro investigações em fase avançada e mais cinco novos inquéritos.
As cinco novas suspeitas descritas pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, referentes a fatos de 2010 a 2015, não integraram a denúncia porque são anteriores ao atual mandato presidencial, iniciado em 2016. Caberá a um procurador que atua na primeira instância analisá-las para eventualmente oferecer novas denúncias.
Das 5 novas apurações, 3 têm a Argeplan Arquitetura e Engenharia como peça central. A PGR (Procuradoria-Geral da República) sustenta que a empresa, que aparece na denúncia por portos como intermediária de propina e que tem como um de seus sócios o coronel João Baptista Lima Filho, pertence de fato ao presidente.
Lima e Temer são amigos desde os anos 80. A Argeplan ganhou impulso naquela década com contratos de consultoria com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. À época, Temer era o titular da pasta.
Um dos pedidos de abertura de inquérito envolve um contrato milionário da Eletronuclear para a construção da usina de Angra 3 que foi paralisado devido a suspeitas levantadas pela Lava Jato. O contrato, de R$ 162 milhões, foi firmado pela multinacional AF Consult, que subcontratou a AF Consult do Brasil, que por sua vez tem a Argeplan em seu quadro societário.
Ao lado da Argeplan, a empreiteira Engevix também foi subcontratada para a obra. Em 2016, um dos donos da Engevix, José Antunes Sobrinho, tentou, sem sucesso, fechar um acordo de delação com o Ministério Público relatando que o coronel Lima cobrou dele R$ 1 milhão para a campanha de Temer em 2014.
Dodge requereu que a apuração desse caso seja feita perante a 7ª Vara Criminal da Justiça Federal no Rio, sob responsabilidade do juiz Marcelo Bretas, onde outros processos sobre a Eletronuclear já tramitaram.
A Argeplan também é suspeita de superfaturar e deixar de prestar serviços para os quais foi contratada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio do consórcio Argeplan/Concremat.
A terceira nova apuração envolve contrato celebrado entre a empresa e a Fibria Celulose, que opera no porto de Santos, com valores em torno de R$ 15,5 milhões. Dodge solicitou que se investigue também, no mesmo procedimento, transações financeiras entre a Construbase Engenharia e a PDA, a outra empresa do coronel.
A Construbase repassou à PDA, de setembro de 2010 a agosto de 2015, R$ 17,7 milhões, por meio de 58 transferências. A empresa do coronel, segundo a Procuradoria, "consta por diversas vezes em relatórios do Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras], como responsável por movimentações atípicas".
Na quarta frente de apuração a ser aberta, Dodge apontou suspeitas de que uma das filhas do presidente, Maristela Temer, tenha praticado o crime de lavagem de dinheiro por meio de uma reforma em sua casa, em São Paulo.
A mulher do coronel, Maria Rita Fratezi, pagou em dinheiro vivo despesas da obra, segundo relatos de fornecedores de materiais de construção.
Dodge considerou que a suspeita de que a obra tenha sido paga com dinheiro de propina "não guarda intrínseca relação" com o suposto crime de corrupção denunciado no âmbito do inquérito dos portos, e requereu uma investigação específica a ser feita perante a Justiça Federal em São Paulo.
A quinta nova investigação solicitada pela Procuradoria é sobre um suposto contrato fictício assinado a pretexto de prestação de serviços no terminal Pérola, no porto de Santos. A empresa faz parte do grupo Rodrimar, que teve um sócio e um ex-executivo denunciado junto com Temer na quarta-feira.
O pedido de abertura de novas investigações foi direcionado ao ministro do STF Luís Roberto Barroso, relator do inquérito dos portos, por meio de um documento que acompanhou a denúncia apresentada na quarta contra Temer e outras cinco pessoas, entre elas o coronel Lima e o ex-assessor presidencial Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR).
A denúncia, sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro, apontou uma movimentação financeira indevida de R$ 32,6 milhões como parte de um esquema antigo com informações e provas reunidas que remontam a 1998.
Dodge pediu que a denúncia seja remetida, em janeiro, quando Temer perde o foro especial, à Justiça Federal no Distrito Federal, para onde também deverão seguir duas denúncias apresentadas em 2017 pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot —os casos foram suspensos pela Câmara no ano passado.
Outro lado
Procurado por meio de sua assessoria, o presidente Michel Temer informou que "provará, nos autos judiciais, que não houve nenhuma irregularidade no decreto dos portos, nem benefício ilícito a nenhuma empresa". O Planalto não comentou as novas frentes de investigação.
A Rodrimar afirmou em nota que os executivos denunciados estão afastados e que se pauta pelos mais elevados padrões de governança corporativa. A reportagem não localizou a defesa do coronel Lima.
Ataques morais
Temer afirmou que deixa o mandato com mágoa pelos ataques morais que sofreu e que os quase três anos em que ficou à frente da função foram "dificílimos". Ele defendeu a sua imagem pública, ressaltando que sempre teve uma vida "muito correta".
"Eu levo isso numa mágoa: os ataques de natureza moral. Porque eu tenho mais de 50 anos [de trajetória profissional]. Eu tive uma vida na universidade, na profissão, uma vida pública muito exata, muito correta", disse.
"Quando vêm os ataques de natureza pessoal, aí realmente isso me caceteia, me chateia, me aborrece. É a única coisa que me aborrece", afirmou.
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