10/09/2024 - Edição 550

Poder

TCU passa um pano para as joias contrabandeadas por Bolsonaro

Em julgamento, os presentinhos e os presentões para presidentes

Publicado em 08/08/2024 10:01 - Ricardo Noblat (Metrópoles) – Edição Semana On

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Quando Lula ganhou, em 2005, um relógio Cartier avaliado em 60 mil reais, não havia regra do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o valor de itens pessoais recebidos como presente pelo presidente da República. O tribunal só regulamentou o assunto em 2016, antes de Bolsonaro contrabandear joias da Arábia Saudita no valor estimado em 20 milhões de reais, segundo a Polícia Federal.

Era para ter sido sobre o relógio de Lula o julgamento do TCU. E à falta de regulamentação à época, Lula estaria livre para continuar usando o Cartier. Mas o julgamento acabou sendo sobre as joias sauditas dadas de presente a Bolsonaro, e o ex-presidente saiu no lucro. O mesmo TCU que em março obrigou Bolsonaro a devolver as joias, desta vez lavou as mãos.

Na última sexta-feira (2), a defesa de Bolsonaro advertiu o Supremo Tribunal Federal que era preciso aguardar a decisão do TCU sobre o Cartier de Lula antes de se pronunciar sobre o caso das joias sauditas. Cinco dias depois, o ministro Jorge Oliveira, indicado para o TCU por Bolsonaro, sugeriu aos seus colegas liberar geral o recebimento de presentes pelos presidentes.

A maioria acatou a sugestão. Ficaria ruim para o tribunal, segundo Oliveira, tratar de forma diferente casos semelhantes. Ocorre que os casos são diferentes. Uma lei não retroage para punir ninguém, e não havia lei quando a Cartier presenteou Lula. A lei já existia quando a ditadura saudita presenteou Bolsonaro com joias valiosas. Um presente de 20 milhões de reais cheira a suborno.

Um presente normal, dado por um governante a outro, é declarado à Receita Federal. O presente saudita entrou no Brasil na mochila de um militar e na mala de um ministro de Estado. A mala não foi revistada. A mochila foi, e parte das joias acabou apreendida. Até o último dia do seu governo, ou desgoverno, Bolsonaro tentou recuperar as joias apreendidas. Sem sucesso.

Caberá ao Supremo Tribunal Federal desfazer o embuste do TCU, distinguindo entre presente e contrabando, e fixar o valor dos presentes que um presidente da República poderá levar para casa.

Em julgamento, os presentinhos e os presentões para presidentes

Então presidente da República, Lula poderia ter ficado com o relógio Cartier, avaliado em R$ 60 mil, que recebeu de presente em 2005? E Bolsonaro, com o relógio Rolex, avaliado em R$ 418 mil, que recebeu de presente em 2022?

Bolsonaro vendeu o Rolex, mas ao ver-se depois em apuros, recomprou-o, devolvendo-o ao acervo do Estado brasileiro. Quanto ao relógio Chopard, avaliado em R$ 560 mil, que ele também recebeu de presente, ainda não se tem notícia.

Segue desaparecido outro relógio, da marca Patek Philippe, presenteado a Bolsonaro pela ditadura do Reino Bahrein. O valor das joias desviadas por Bolsonaro pode ser superior a R$ 6,8 milhões, segundo cálculos da Polícia Federal em julho último.

O Tribunal de Contas da União decidirá, hoje, se Lula poderá ficar com o Cartier ou se terá de devolvê-lo. O relógio foi dado a Lula pela Cartier. À época, não existia lei que estabelecesse limites para o valor dos presentes que os presidentes poderiam levar para casa.

Isso não os impedia, porém, de saber quando estavam diante de um presentinho, de um presente ou de um presentão; de um simples relógio ou de uma joia de alto luxo. À época de Bolsonaro, a lei estabelecendo limites já existia, e ele simplesmente a burlou.

Essa é a maior diferença entre um caso e outro, mas não é a única. Lula nunca escondeu o Cartier que às vezes carrega no pulso. Bolsonaro vendeu o Rolex para fazer dinheiro e ainda não esclareceu o que fez com o Chopard, o Patek Philipe e outras joias.

Lula estava em visita a Paris ao receber o Cartier. O Rolex de Bolsonaro entrou no Brasil na mala de um ministro e não foi declarado à Receita Federal. Na ocasião, a Receita apreendeu um kit de joias presenteadas a Michelle, mulher de Bolsonaro.


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