Poder
Apenas três deputados de MS votaram pela taxação de grandes fortunas que foi derrubada ontem na Câmara Federal
Publicado em 31/10/2024 12:47 - Semana On
Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.
Os deputados federais rejeitaram a emenda ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/ 2024 que propunha a criação de um imposto sobre grandes fortunas (Taxação de grandes fortunas). A proposta, apresentada pela federação Psol-Rede, foi derrotada com 262 votos contra e 136 a favor em sessão realizada na quarta-feira (30).
Apenas o PT, o PCdoB, o PV e o PSB orientaram voto a favor à medida, que seria incluída no projeto de regulamentação da reforma tributária aprovado ontem pelo Plenário.
O governo liberou sua bancada para votar como quisesse; já a oposição orientou voto contrário. O texto-base já havia sido aprovado pela Casa em agosto, faltava a análise de destaques (trechos que podem mudar pontualmente o projeto). O relator aceitou algumas das sugestões.
Da bancada de Mato Grosso do Sul, votaram a favor da *taxação de grandes fortunas* a deputada Camila Jara (PT) e os deputados Dagoberto Nogueira (PSDB) e Vander Loubet (PT). Geraldo Resende (PSDB), Luiz Ovando (PP), Marcos Pollon (PL) e Rodolfo Nogueira (PL) votaram contra. Beto Pereira (PSDB) se absteve.
A proposta, apresentada por Ivan Valente (PSOL-SP), visava a *taxação de grandes fortunas*, com foco em patrimônios superiores a R$ 10 milhões. De acordo com a emenda, considera-se grande fortuna o conjunto de bens e direitos, de qualquer natureza, no Brasil e no exterior, que exceda R$ 10 milhões. A taxação seria feita com avaliação programada para janeiro de cada ano, com alíquotas de até 1,5%. O texto segue agora para o Senado.
Pouca gente, muito dinheiro
Uma taxa de 2% sobre 3.000 bilionários pelo mundo geraria uma renda extra aos cofres públicos de US$ 250 bilhões a cada ano (cerca de R$ 1,35 trilhão, na cotação atual), suficiente para garantir uma ação mais eficiente contra a desigualdade. Essa é a conclusão de um estudo encomendado pelo G20, diante da proposta derrubada ontem na Câmara Federal.
Juntos, esses bilionários controlam US$ 14,2 trilhões. Mas representam, na maioria dos países, apenas 0,0001% da população.
No Brasil, cerca de 50 pessoas se encaixariam nesse padrão de patrimônio.
A análise feita economista francês Gabriel Zucman também concluiu que se houver um imposto sobre as pessoas com uma fortuna de mais de US$ 100 milhões, a arrecadação anual pode também somar mais US$ 140 bilhões.
No mundo, 65 mil adultos contam com patrimônio de mais de US$ 100 milhões e controlam US$ 16,9 trilhões.
Zucman também ensaia a possibilidade de que um imposto de 3% seja aplicado tanto sobre os 3.000 bilionários quanto sobre os 65 mil milionários. Neste caso, a arrecadação mundial extra seria de até US$ 690 bilhões (R$ 3,7 trilhões, na cotação atual).
Aplicação de uma alíquota mínima de 2% da riqueza para bilionários em dólares (cerca de 3.000 indivíduos em todo o mundo), o que geraria cerca de US$ 250 bilhões por ano em receita tributária adicional.
Os impostos só teriam que ser pagos por bilionários que ainda não pagam o equivalente a 2% de seu patrimônio em imposto de renda. Dessa forma, a proposta não é um imposto sobre a riqueza, mas funciona como um mecanismo de complementação. O imposto, porém, seria aplicado sobre o patrimônio, e não sobre a renda.
No mundo, de cada 1 milhão de famílias, apenas uma estaria dentro deste critério. “Os bilionários são muito poucos. Mas eles são importantes por pelo menos dois motivos”, diz o estudo. “Primeiro, eles têm um poder econômico e político significativo por meio de suas participações em grandes corporações e, em alguns casos, por sua propriedade de empresas de mídia e influência na formulação de políticas”, explicou.
Em segundo lugar, dados de listas de pessoas bilionárias sugerem que sua riqueza aumentou de forma particularmente rápida desde a década de 1980. Entre 1987 e 2024, a riqueza média das famílias 0,0001% mais ricas do mundo aumentou cerca de 7% ao ano, em média, sem a inflação — muito mais rápido do que a riqueza média, que foi de 3% ao ano.
“Os bilionários e as empresas que eles possuem têm sido os principais beneficiários da globalização. Isso levanta a questão de se os sistemas tributários contemporâneos conseguem distribuir esses ganhos adequadamente ou se, em vez disso, contribuem para concentrá-los em poucas mãos”, constata o documento.
Eu seria afetado?
Apenas se você estiver na seleta lista de cerca de 50 brasileiros que contam com mais de US$ 1 bilhão. Os Estados Unidos, a França, a Holanda e Itália, juntos, abrigam cerca de 35% dos bilionários globais e respondem por cerca de 40% da riqueza global dos bilionários.
Na América Latina, a previsão é de que os impostos atingiriam apenas 105 pessoas que, juntos, contam com US$ 419 bilhões. Taxá-los em 2% geraria US$ 7 bilhões em receitas extras.
No caso brasileiro, o banco UBS informa que o grupo dos bilionários do país detinha uma fortuna de US$ 176,1 bilhões em 2020, um aumento de 99% em comparação ao volume de 2009 e acima dos US$ 127 bilhões registrados em 2019.
Em 2019, existiam 45 bilionários no país. Em 2020, o número subiu para 50. O total, porém, ainda foi maior em 2018, quando o número de ultra-ricos chegou a 58 e somaram US$ 179 bilhões.
O mesmo banco ainda revelou que existiam 415 mil milionários no Brasil em 2022. Eles, porém, não entrariam nessa taxação.
Quanto dinheiro eles concentram em suas mãos?
De acordo com o estudo, há uma crescente concentração de riqueza nas mãos dessas pessoas. O patrimônio dos 0,0001% mais ricos, expressa como uma fração do PIB mundial, foi multiplicada por mais de quatro vezes desde meados da década de 1980:
Em 1987, os 0,0001% mais ricos possuíam o equivalente a 3% do PIB mundial em riqueza.
Em 2008, essa riqueza aumentou gradualmente para 8% do PIB mundial.
Em 2024, essa riqueza ultrapassa 13% do PIB mundial.
Quanto eles pagam hoje em impostos?
Outra constatação do estudo é que, hoje, esses bilionários estão basicamente isentos de impostos e pagam o equivalente a apenas 0% a 0,6% de sua riqueza em tributação individual. A alíquota do imposto sobre o capital individual está próxima de 0% para pessoas físicas com patrimônio líquido muito alto em países como a Holanda. Ela é de cerca de 0,6% do patrimônio nos Estados Unidos.
Em todos os casos, proporcionalmente, eles pagam menos que a classe média.
Para a implementação doméstica dos impostos, seria possível usar:
– Um imposto de renda presumido
– Um imposto sobre noções amplas de renda (por exemplo, incluindo ganhos de capital não realizados)
– Um imposto sobre a riqueza
Imposto sobre grandes fortunas tem apoio de 70% dos brasileiros
De cada dez brasileiros, sete apoiam a ideia de uma taxa sobre grandes fortunas. Os dados fazem parte de uma pesquisa publicada pela Ipsos e que revela que, nas grandes economias do mundo, mais de dois terços das populações defendem que os ricos paguem um volume maior de impostos.
A pesquisa foi encomendada pelas entidades Earth4All e pela Global Commons Alliance e está sendo divulgada enquanto o G20 se prepara para organizar sua reunião de ministros de Finanças, em julho. O encontro tem como meta consolidar a proposta do Brasil de que haja um avanço real na imposição de um maior imposto sobre as grandes fortunas como forma de lidar com as desigualdades no mundo.
“Ricos, paguem mais impostos”
De acordo com a pesquisa, 68% dos entrevistados nos países do G20 defenderam os impostos maiores sobre as grandes fortunas como meio de financiar grandes mudanças na economia e estilo de vida, e apenas 11% se opõem. 70% dos entrevistados apoiam taxas mais altas de imposto de renda sobre as pessoas ricas e 69% favorecem taxas mais altas de impostos sobre grandes empresas.
No Brasil, o apoio a impostos sobre grandes fortunas tem um apoio acima da média mundial, de 70%. Com base em entrevistas com mil brasileiros com mais de 18 anos, a pesquisa revelou que 53% defendem a ideia de uma renda básica universal, acima de 52% no G20. Na Índia, a taxa de apoio é de 71%.
O apoio a um imposto sobre a fortuna para pessoas ricas é maior na Indonésia (86%), Turquia (78%), Reino Unido (77%) e Índia (74%). O apoio é menor na Arábia Saudita (54%) e na Argentina (54%), mas ainda assim mais da metade dos entrevistados.
Nos Estados Unidos, na França e na Alemanha, cerca de dois em cada três entrevistados apoiam um imposto sobre a fortuna para pessoas ricas (67%, 67% e 68%, respectivamente).
De uma forma geral, a pesquisa concluiu que grande parte das pessoas está disposta a mudanças importantes na estrutura da economia e da organização política. “A pesquisa destacou o amplo apoio ao uso de receitas fiscais adicionais para financiar propostas de políticas para mudanças em nossa economia e estilos de vida”, explicaram as entidades. “As principais áreas com forte apoio incluem iniciativas de energia verde, assistência médica universal e fortalecimento dos direitos dos trabalhadores. Até mesmo propostas menos populares, como a renda básica universal e o investimento em assembleias de cidadãos para fortalecer a democracia, atraem o apoio de cerca de metade dos entrevistados”, disse.
Para Owen Gaffney, co-líder da iniciativa Earth4All, a mensagem para os políticos não poderia ser mais clara. “A grande maioria das pessoas que pesquisamos nas maiores economias do mundo acredita que é necessário tomar medidas importantes nesta década para combater as mudanças climáticas e proteger a natureza. Ao mesmo tempo, muitos acham que a economia não está funcionando para eles e querem uma reforma política e econômica. É possível que isso ajude a explicar o aumento de líderes populistas”, alertou.
“Os resultados da nossa pesquisa fornecem um mandato claro das pessoas nos países do G20 pesquisados: redistribuir a riqueza. Uma maior igualdade criará democracias mais fortes para impulsionar uma transformação justa para um planeta mais estável”, disse.
Confira mais publicações na editoria: Poder
Deixe um comentário