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Efeito colateral da suspensão da rede de Musk será menos ódio circulando na eleição
Publicado em 02/09/2024 9:42 - ICL Notícias, Agência Brasil, Leonardo Sakamoto e Andreza Matais (UOL) – Edição Semana On
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), convocou a 1ª Turma da Corte para analisar, em julgamento virtual, sua decisão de suspender a rede social X (antigo Twitter). A sessão virtual começou nesta segunda-feira (2) e terá duração de 24 horas. Além de Moraes, a 1ª Turma do STF conta com os ministros Luiz Fux, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Carmen Lúcia.
Moraes já registrou seu voto favorável na madrugada de segunda-feira. O ministro Flávio Dino acompanhou Alexandre de Moraes e também deu seu voto favorável: “Voto para referendar a decisão (…) sem prejuízo de futuro e imediato reexame à vista da eventual correção da conduta ilegal da empresa em foco.”
Ainda faltam os votos da a ministra Cármen Lúcia e dos ministros Luiz Fux e Cristiano Zanin. A expectativa é que os ministros referendem a decisão de Moraes e mantenham a suspensão da rede social de propriedade do bilionário Elon Musk.
A rede social X começou a ser bloqueada pelas operadoras de internet, no território brasileiro, nas primeiras horas de sábado (31), em cumprimento à decisão de Moraes, do dia anterior, que determinou a suspensão da plataforma. A medida foi tomada após descumprimento ao prazo de 24 horas dado pelo ministro ao bilionário Elon Musk, dono da plataforma, para indicar um representante legal do X no país.
No último dia 17 de agosto, Musk anunciou o fechamento da sede da empresa no Brasil e acusou Moraes de ameaça. O anúncio foi feito após sucessivos descumprimentos de determinações do ministro. Entre elas, a que determinou o bloqueio do perfil do senador Marcos do Val (Podemos-ES) e de outros investigados.
No post que anunciou a saída do Brasil, o bilionário divulgou uma decisão sigilosa do ministro. O documento diz que o X se negou a bloquear perfis e contas no contexto de um inquérito da Polícia Federal (PF) que apura obstrução de investigações de organização criminosa e incitação ao crime.
Efeito colateral da suspensão do X será menos ódio circulando na eleição
A suspensão do X/Twitter no Brasil é uma decisão amarga, mas necessária. Não é admissível que qualquer pessoa, por mais rica que seja, decida quais leis e decisões judiciais vai cumprir ou não, como estava fazendo Elon Musk. Principalmente para se promover como liderança global da extrema direita.
Amarga porque muito melhor seria uma plataforma que aceita cumprir o ordenamento jurídico do país em que ganha o seu cascalho, mantendo representantes legais para o devido diálogo, investindo em uma estrutura robusta de moderação de conteúdo (como o Twitter fazia antes) e atendendo a decisões judiciais que solicitam a remoção de publicações de ódio, intolerância, nazismo, pedofilia, planejamento de ataques em escolas, tentativas de golpe de Estado.
Não é censura, portanto, mas um mínimo de respeito à soberania. E ao próprio capitalismo, uma vez que as mesmas regras devem valer para todos os empreendimentos que operam serviços em um mesmo país, sob o risco de concorrência desleal e favorecimento indevido. Por que Instagram, WhatsApp, Facebook, TikTok, YouTube, entre outros, seguem a lei e o X não?
Em um primeiro momento, a extrema direita vai jogar a responsabilidade pela suspensão da rede no campo democrático, usando o caso para esquentar a ultrapolarização durante as eleições.
Com isso, mobilizará seus seguidores e tentará substituir o debate sobre as necessidades do território municipal (creche, tarifa de ônibus, posto de saúde, segurança, entre outros) pela discussão de uma suposta censura, a chegada do comunismo, as conspirações de bilionários de Hollywood, as vacinas chinesas com chips de 5G e, claro, os illuminati. Deve conseguir algo, tal como já faz ao trazer Maduro e Hamas.
Mas há um efeito colateral positivo nessa tragédia toda que é a redução no montante de ódio e intolerância que vai circular durante as eleições de 2026. No que pese o X/Twitter ser uma importante fonte de informação para jornalistas e cidadãos e para a fiscalização de atores públicos e a comunicação com eles, há muito a plataforma havia se transformado numa catapulta para espalhamento de ódio. Desde que Elon Musk assumiu seu controle, virou uma terra sem lei. Tudo é possível por lá, o que não é boa coisa.
O ódio presente na rede não desaparece com a sua suspensão. Porém, ficará mais difícil de ser acessado e distribuído. Ao não aceitar moderar o conteúdo de sua plataforma, Elon Musk empurrou a Justiça que tomou decisões extremas. Esperemos que ela volte, dentro de parâmetros racionais, apesar de sabermos o quão difícil será isso.
Em tempo: A decisão de limitar acesso ao VPN (rede virtual privada, usada para mascarar conexões) a fim de impedir o uso do X, com punição aos usuários, é, contudo, fora da realidade. A ferramenta é usada para muitas outras atividades. Por isso, essa medida imposta pelo STF deve cair ou ser esclarecida, em nome do bom senso.
Queda do X não trará fim do mundo ao Brasil. Isso ocorreria sem o WhatsApp
A suspensão do X/ Twitter não levou à guerra civil ao contrário do que ameaçavam os arautos do apocalipse. Ela vai bombar os protestos de caráter golpista organizados pelo bolsonarismo no 7 de setembro, mas a Cecília, vendedora de tomate em uma feira livre no Jardim Catanduva na periferia de São Paulo, não perdeu sua noite de sono pela queda do X. Perderia, contudo, se a plataforma suspensa fosse o WhatsApp.
Ha três grupos rangendo os dentes por conta da decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes: os que usavam a rede para disputa política, os que a encaravam como instrumento de monitoramento da política e os que ganhavam dinheiro com ela.
No primeiro, temos gente que se sentiu livre na plataforma com a chegada de Elon Musk, que segue uma cruzada para ser o principal influenciador digital da extrema direita no mundo. Há um comportamento entreguista dessa turma, que tacha de censura uma decisão que, apesar de amarga, visa a garantir o respeito à soberania brasileira. Dá razão a quem nos chama de República de Bananas por defenderem que, quanto mais rica a pessoa, menos leis ela precisa seguir.
No segundo, estão jornalistas, pesquisadores, analistas políticos. O grupo se lascou gostoso com a saída da rede do ar porque a usava para acompanhar o comportamento de líderes políticos, sociais e econômicos e demais figuras públicas do Brasil e do mundo que se comunicam via plataforma. Há uma perda para o debate com isso, sem dúvida, forçando esses profissionais a construirem outras saídas. Mas também mostra o risco de o debate público ser sequestrado por uma empresa privada.
Se por um lado perdemos uma boa ferramenta de fiscalização do poder com a suspensão do X/Twitter, por outro temos menos ódio e intolerância influenciando as eleições de outubro por aqui.
No terceiro, está o pessoal que ganha dinheiro honesta ou desonestamente com a plataforma, desde a turma séria que a usa como instrumento de assessoria e construção de reputação digital de pessoas e empresas até os criminosos que a transformaram em plataforma de ataques anônimos a adversários de quem pagar mais. Esse segundo grupo, agora, vai ter que procurar um trabalho honesto, talvez como o da Cecília, vendedora de tomate.
O pessoal que quer bons memes é o que menos sofre, porque já está migrando para outras redes. Afinal, memes são eternos.
Mesmo considerando a importância do X/Twitter para esses grupos, e sua capacidade de influenciar indiretamente outra parcelas da sociedade, vale ressaltar que a plataforma conta com pouco mais de 22 milhões usuários do mais, dos quais cerca de 9 milhões ativos. Sua suspensão será sentida, mas de forma limitada.
Óbvio que, bem diferente seria se o WhatsApp sumisse de uma hora para outra do Brasil. Por aqui, ele está em cerca de 98% dos celulares no país e estimativas apontam até 190 milhões de diferentes contas, sejam elas de pessoas físicas ou jurídicas. A vida era discutida no X, mas ela passa pelo Zap — que também é usado para espalhar mentiras e desinformação, mas o serviço conecta os brasileiros mais do que o telefone ou o e-mail. Se ele não existisse, algo muito parecido seria criado para ocupar seu lugar.
No passado, a Meta, dona do serviço do aplicativo de mensagens que funciona quase como uma rede social, já teve o serviço suspenso por decisões judiciais de instâncias inferiores. Também já foi duramente criticada, nas eleições de 2018, por sua estrutura que permitia disparos em massa de desinformação e conteúdo de ódio.
Hoje, a empresa mantém um diálogo aberto com o Tribunal Superior Eleitoral para atender determinações e vem ganhando um bom dinheiro com propaganda de candidatos. Mark Zuckerberg ganha muito dinheiro com o Brasil, ao contrário de Elon Musk. E, até agora, tem operado em uma lógica diferente, seguindo as leis do país.
O que não significa que aceite passivamente a discussão sobre a regulação da atuação de plataformas, como vimos no processo de bombardeamento e engavetamento do chamado PL das Fake News.
Tanto ele quanto Musk dominam algoritmos que são alvo de críticas nos Estados Unidos e no mundo devido ao seu superpoder de decidir o que e como determinadas informações vão chegar a milhões ou bilhões de pessoas.
Musk tem usado a sua rede abertamente para tentar eleger Donald Trump. Zuckerberg é atacado pelo bilionário e os republicanos em meio à campanha eleitoral e vem cedendo, seja ao elogiar o candidato, seja ao chancelar suas reclamações sobre censura pelo governo.
Tudo isso revela o nível de dependência que temos dessas empresas para o debate público hoje. O que aconteceu no Brasil será referência para o mundo, seja para a extrema direita usar o que aconteceu para reforçar seu discurso sobre censura, seja para governos e cidadão do mundo aprofundarem o debate sobre regulação de plataformas a fim de garantir que não privatizemos a democracia.
Anatel pode cassar outorga de Starlink por se recusar a bloquear X
Ao se recusar a cumprir a determinação judicial para bloquear o acesso ao X no Brasil, a Starlink pode ter o direito de operar no país cassado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). O órgão regulador segue quatro passos: apurar o descumprimento, fiscalizar, abrir processo e, por fim, avaliar a cassação.
A agência já autorizou a empresa de Elon Musk a operar uma rede satelital no país com cerca de 3.700 satélites. Hoje, a Starlink tem 250 mil usuários no Brasil, que ficarão sem o serviço caso receba a punição máxima da Anatel. O órgão pode aplicar desde advertência, multa ou extinção da autorização de prestação de serviço.
A Starlink é a empresa de internet por satélite com o maior número de clientes no país; a segunda colocada (Viasat Brasil Serviços) tem 178.847 assinantes.
Segundo apuração da coluna, a Starlink tem 23 gateways (equipamentos que permitem a troca de informações entre as operadoras), que podem ser lacrados pela Anatel caso se confirme que a empresa se recusa a cumprir a ordem do órgão regulador. Em paralelo a isso, o Supremo pode adotar outras medidas. As punições administrativas cabem à Anatel.
Na última semana, o ministro Alexandre de Moraes bloqueou as contas da Starlink até que o X quite dívidas por descumprir ordens judiciais. As duas empresas são de Elon Musk. A Starlink alega que são firmas diferentes com o mesmo dono e uma não pode ser punida pela outra. E justifica que só irá bloquear o X depois de ter suas contas liberadas.
Na sexta-feira (31), a agência comunicou a ordem do Supremo para as operadoras bloquearem o X. Quatro delas respondem por 95% do tráfego e já cumpriram a determinação. São elas: TIM, Vivo, Claro e Oi.
Musk incentiva golpe no Brasil ao defender privilégio de estar acima da lei
Desde que teve uma última chance com a intimação postada pelo STF nas redes sociais (sim, ele já havia sido notificado por vias tradicionais há mais de dez dias, mas ignorou), Elon Musk disse que o Brasil vive uma ditadura e, mais do que isso, chancelou comentário dizendo que o X/Twitter é a única fonte de verdade disponível. A auto-estima do homem branco rico é realmente algo insuperável.
Melhor do que isso só se plagiasse o Evangelho de João e, encarnando o filho de Deus, afirmasse que ele próprio é o caminho, a verdade e a vida.
O bilionário escolhe quais decisões judiciais vai cumprir. Como nos enxerga como uma República de Bananas, crê que obedecer determinações de um magistrado do qual discorda é coisa de entregador de aplicativo, motorista de ônibus, pasteleiro, professor, mecânico, vendedor, bancário, enfermeiro, operário, jornalista e você, internauta.
Ele, não, ele é rico e tem uma rede social, manda pessoas ao espaço, faz carros elétricos e possui satélites, portanto tem o direito de ser revisor de decisões do Estado. Brasileiro, claro, porque ele não tem coragem de fazer isso na China, mesmo que discorde de ações do governo de Xi Jinping.
No final do dia, quem tem o tico e o teco em ordem sabe que sua cruzada não é pela liberdade, até porque suas outras empresas realizam felizes negócios com governos autoritários, mas por poder. Viu no Brasil uma boa oportunidade para mostrar o que acontece com os que tentam limitar a falta de regulação das plataformas. E está queimando o X/Twitter e fortalecendo a extrema direita no meio do processo.
Qualquer pessoa física ou jurídica que opera em um país está sujeito às suas leis e ao seu Poder Judiciário. Questionamentos devem ser feitos em tribunais e, caso o apelo não seja ouvido, pode-se acionar o sistema de Justiça interamericano, na Organização dos Estados Americanos, ou internacional, nas Nações Unidas, contra um Estado.
Com este último ataque às vésperas de ter sua rede bloqueada por aqui, Musk também incentivou o desrespeito às instituições. Ecoa, ironicamente, declarações de Jair Bolsonaro, que bradou que passaria a ignorar as decisões do ministro do STF em um ato na avenida Paulista já em 7 de setembro de 2021.
Com medo, Bolsonaro voltou atrás. Hoje, organiza novamente mais uma micareta de 7 de setembro com o objetivo de obter anistia aos golpistas do 8 de janeiro de 2023. E, através deles, obter a sua própria, prestes a ser condenado pelo STF por atentar contra o Estado democrático de direito.
Musk não gostou nada das resoluções do Tribunal Superior Eleitoral apontando que as plataformas serão civil e administrativamente corresponsáveis por postagens “antidemocráticas”, ataques ao processo eleitoral, discurso de ódio e manipulação usando inteligência artificial mesmo sem denúncia pelo TSE ou determinação judicial para remoção do conteúdo.
Mas ao invés de fazer o enfrentamento no ambiente democrático, resolveu defender os conteúdos golpistas. E forçando a sua saída do país ao não cumprir a lei (que obriga representação de grandes plataformas por aqui) e ignorar decisões judiciais, joga a sociedade contra o STF e o TSE.
Historicamente, Musk era um personagem liberal. Mas, nos últimos tempos, deu uma guinada e vem se afirmando como o maior influenciador digital da extrema direita global, interferindo na democracia dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Europa, da Austrália e, claro, da América do Sul e do Brasil.
Para Musk, que nunca viu a operação brasileira do X exatamente como lucrativa, esta é uma excelente oportunidade para se vender como pretenso mártir de uma pretensa liberdade (lembrando que liberdade para fomentar golpe, covid-19 e ataques em escolas não é liberdade), jogando a culpa em terceiros.
Com isso, já provocou um furo no tecido social brasileiro, levando a extremistas a refazer uma pergunta que tem poder de desconstruir uma nação: se Musk não cumpre decisão, por que nós precisamos cumprir?
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