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Apostando no ódio, presidente convoca cerco de apoiadores a seções eleitorais
Publicado em 12/10/2022 10:46 - RBA, DW, Josias de Souza (UOL) – Edição Semana On
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Os dois meses que antecederam o primeiro turno das eleições registraram quase o mesmo número de episódios de violência política e eleitoral do que os sete primeiros meses de 2022. É o que aponta a segunda edição do estudo sobre violência política e eleitoral no Brasil, produzido pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global, lançado na segunda-feira (10). O estudo analisou o período entre 2 de setembro de 2020 e 2 de outubro de 2022, onde foram mapeados 523 casos ilustrativos de violência política envolvendo 482 vítimas entre representantes de cargos eletivos, candidatos/as ou pré-candidatos/as e agentes políticos no Brasil.
Nesse período de pouco mais de dois anos, foram registrados 54 assassinatos, 109 atentados, 151 ameaças, 94 agressões e 104 ofensas, além de 6 casos de criminalização e 5 de invasão. Apenas no período eleitoral, até o primeiro turno, entre 1 de agosto e 2 de outubro de 2022, 121 casos de violência política foram registrados contra agentes políticos, praticamente, dois casos de violência política por dia.
Esta segunda edição do estudo confirma a tendência de crescimento da violência política a partir de 2019, apresentada na primeira edição do estudo. Até o ano de 2018, uma pessoa era vítima de violência política a cada 8 dias. Mas a partir de 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), os episódios de violência foram registrados a 48 horas. E agora neste ano de 2022 já registra 247 casos. Ou seja, um caso de violência política registrada a cada 26 horas. O número de episódios já supera o total de 2020, quando houve eleições municipais e é mais de 400% maior do que o número de casos registrados em 2018, quando também houve eleições presidenciais.
“Essa tática da violência pode ter um reflexo perverso na garantia da democracia. Esse clima de ódio e medo tem um impacto profundo em como as candidaturas realizam suas campanhas e dialogam com a população. É preciso também refletir o quanto essa violência intimidou segmentos a retirarem suas candidaturas – pessoas, inclusive, cuja representação teria grande importância, como mulheres negras, pessoas trans e LGBTQIA+”, disse Gisele Barbieri, coordenadora de incidência política da organização Terra de Direitos.
SP, RJ, BA e Pará lideram os casos desse tipo de violência
Essa segunda edição completa o primeiro levantamento lançado em 2020, que analisou casos ilustrativos de violência política entre 1 de janeiro de 2016 a 1 de setembro de 2020. A série histórica iniciada em 2016 com dados até 31 de julho de 2022 registra 850 episódios desse tipo de violência. A segunda edição da pesquisa analisou episódios de violência política divulgados em portais de notícias, redes sociais e veículos de comunicação.
O período analisado nesta segunda edição do estudo também aponta que a cada 5 dias ocorre um assassinato ou atentado à vida por violência política e eleitoral no Brasil. São Paulo lidera o ranking de estados com maior número de assassinatos e atentados, com 24. Em seguida aparecem Rio de Janeiro (22), Bahia (20), Pará (14), Pernambuco (8) e Paraíba (7).
Entre os partidos alvos da violência, PT e Psol representam mais de um quarto dos casos. E dentro dessas siglas, as mulheres são os principais alvos. “Se na primeira pesquisa vimos que a violência política atingia todos os partidos de diferentes espectros políticos, nesta segunda edição, percebemos uma concentração de ataques a partidos de centro-esquerda e parlamentares que atuam na defesa de direitos humanos, da população LGBTQIA+ e na pauta antirracista”, disse Glaucia Marinho, coordenadora da Justiça Global.
A segunda edição do levantamento revela que o perfil das maiores vítimas permanece sendo os homens cisgênero que, além de serem a maioria em representação nos espaços de poder, são vítimas em 59% dos casos de violência política. As mulheres, que representaram 15,80% das pessoas eleitas em 2020 e 16,11% em 2018, são vítimas de 36% dos casos de violência política registrados no último período. São elas também as maiores vítimas de ameaças e ofensas. Mulheres trans e travestis também foram alvo de 5% dos episódios de violência.
Mulheres estão entre as maiores vítimas
Apesar de serem minoria entre os eleitos, as pessoas negras são vítimas de 48% dos episódios de violência política onde foi possível identificar cor e raça. Brancos representam 50%, enquanto amarelos e indígenas são 2%.
Com 175 registros, vereadores e vereadoras candidatos/as, eleitos/as e em exercício continuam sendo as principais vítimas dessa violência, seguidos por deputados/as federais e estaduais com 135 casos e prefeitos e vice-prefeitos com 53 casos.
O levantamento desde 2016 considera apenas episódios de violência contra agentes político-institucionais, sem contabilizar os casos em que os alvos não eram candidatos, pré-candidatos, pessoas que ocupam cargos eletivos ou políticos, assessores parlamentares e dirigentes partidários.
No entanto, em um levantamento à parte, as entidades identificaram desde agosto deste ano 68 casos de violência eleitoral disseminada, que teve como alvo apoiadores, eleitores e trabalhadores em diferentes funções – dentre esses, foram 6 assassinatos -, além de ataques a imóveis e depredação de urnas eletrônicas como forma de intimidar adversários e questionar o próprio processo democrático eleitoral.
Ou seja: considerando os 121 casos de violência política contra agentes político-institucionais mais os 68 casos de violência política disseminada, o período eleitoral registrou ao menos 189 ocorrências.
Bolsonaro convoca cerco de apoiadores a seções eleitorais
O presidente Jair Bolsonaro voltou a fazer na terça-feira (11) ameaças contra o sistema eleitoral, levantando dúvidas infundadas sobre a legitimidade da apuração no primeiro turno e estimulando um cerco de apoiadores a seções eleitorais na nova rodada de votação marcada para 30 de outubro.
Em discurso durante um comício em Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul, Bolsonaro convocou seus apoiadores a “permanecerem na região” das seções até o anúncio do resultado final.
“No próximo dia 30, de verde e amarelo, vamos votar. E, mais do que isso, vamos permanecer na região da seção eleitoral até a apuração do resultado. Tenho certeza que o resultado será aquele que todos nós esperamos, até porque o outro lado não consegue reunir ninguém. Todos nós discordamos. Como pode aquele cara ter tantos votos se o povo não está ao lado do mesmo”, disse Bolsonaro.
Segundo o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a aglomeração de eleitores em grupos organizados próximos das seções viola a legislação.
“Vale reforçar que a lei eleitoral proíbe, até o final do horário de votação, a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado com bandeiras, broches, dísticos e adesivos, de modo a caracterizar manifestação coletiva”, diz uma publicação do site do tribunal divulgada logo antes do primeiro turno.
Segundo o TSE, na data do pleito, eleitores devem se limitar a se “manifestar, de forma individual e silenciosa”.
Em desvantagem nas pesquisas, Jair Bolsonaro tem lançado há meses ataques contra o sistema de votação, levantando acusações infundadas sobre a segurança das urnas eletrônicas e sobre o processo de apuração.
Para tentar rebater pesquisas de preferência de voto ou até mesmo o resultado do primeiro turno, nos quais aparece atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro tem feito uso do que seus aliados chamam de “datapovo”: a organização de grandes atos com apoiadores da base radical do presidente.
Um dos pontos altos da estratégia ocorreu no feriado de 7 de Setembro, quando Bolsonaro se apropriou da data festiva para organizar manifestações de apoio ao governo.
No primeiro turno da eleição presidencial, Bolsonaro recebeu 43,2% dos votos válidos, ficando atrás de Lula, que registrou 48,4%.
Antes do primeiro turno, Bolsonaro chegou a afirmar que, se não recebesse mais de 60% dos votos, “algo de anormal” teria acontecido dentro do TSE. O presidente, no entanto, evitou, no seu primeiro pronunciamento após o resultado, contestar o resultado da primeira rodada de votação, que foi marcada por uma nova “onda de direita” na disputa por cargos no Legislativo, com a eleição de vários nomes ligados ao Planalto.
Seções eleitorais viraram Capitólio de Bolsonaro
Após votar no primeiro turno das eleições, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, fez uma constatação e uma conclamação: “Nós temos certeza que no final do dia teremos já os resultados com tranquilidade. Peço ao eleitor que compareça, vote e volte para casa, vá almoçar, depois à tarde aproveite o domingo”. Para o segundo turno, Bolsonaro fez um chamamento diferente para os seus devotos:
“No próximo dia 30, de verde e amarelo, vamos votar. E mais do que isso. Vamos permanecer na região da seção eleitoral até a apuração do resultado”, disse o presidente nesta terça-feira, na cidade gaúcha de Pelotas. Ele usou microfones e lentes da imprensa para chegar aos ouvidos dos seus eleitores.
Foi como se o capitão, farejando o risco de derrota, encomendasse aos seguidores uma resistência semelhante àquela que fizeram os seguidores de Donald Trump, nos Estados Unidos. Insuflados por Trump, que se recusava a aceitar a derrota para o rival Joe Biden, arruaceiros invadiram o Capitólio, sede do Parlamento americano, em 6 de janeiro de 2021. Deixaram um rastro de quebradeira e cinco mortes.
“Peço humildemente que meus eleitores permaneçam nas seções eleitorais até a apuração final dos votos”, declarou Bolsonaro, antes de insinuar novamente que não aceitará das urnas senão a própria vitória. “Tenho certeza de que o resultado será aquele que esperamos. O outro lado não consegue reunir ninguém. Como pode aquele cara ter votos se o povo não está a seu lado?”.
O plenário do TSE parecia farejar o enxofre da pólvora quando proibiu, no mês passado, o porte de armas nas seções eleitorais e no perímetro de 100 metros nas 48 horas que antecedem o pleito e nas 24 horas seguintes. Prevaleceu por unanimidade o voto do relator Ricardo Lewandowski.
No texto, Lewandowski citou o episódio do Capitólio como algo a ser evitado no Brasil. Criticou a proliferação do número de armas de fogo em posse de Caçadores, Atiradores e Colecionadores, os chamados CACs. Não restou dúvida de que o objetivo do TSE era o de conter eventuais excessos de Bolsonaro e dos seus seguidores.
O presidente voltou a insinuar, desde a semana passada, que o sistema eleitoral brasileiro é inconfiável. O teste de integridade feito nas urnas do primeiro turno revelou o contrário. Mostraram-se invulneráveis inclusive as urnas testadas no dia da eleição, com a participação de eleitores que concordaram em ceder suas digitais para o teste com biometria, como haviam sugerido as Forças Armadas.
Os próprios militares concluíram, a partir da inspeção que fizeram numa amostra de 385 boletins de urna, que o resultado do primeiro turno foi fidedigno. Lula obteve 48,4% dos votos válidos. Bolsonaro, 43,2%.
Notícia veiculada pelo Globo informa que Bolsonaro vetou a divulgação de relatório com as conclusões das Forças Armadas. Prefere continuar destilando na conjuntura dúvidas infundadas sobre urnas, como faz desde 2018.
As urnas eletrônicas operam há 26 anos. Nesse período, contabilizaram as vitórias de Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e do próprio Bolsonaro. Tomado pelos resultados, o sistema eleitoral brasileiro revelou-se, de fato, viciado. Adquiriu o vício da alternância no poder.
Suprapartidárias, as urnas eletrônicas já premiaram presidentes de centro, de esquerda e de ultradireita. Acabam de presentear o PL, partido de Bolsonaro, com a eleição das maiores bancadas no Câmara e do Senado. A legenda tornou-se majoritária nas duas casas legislativas. A versão bolsonarista do Capitólio não faz nexo.
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