04/10/2024 - Edição 550

Poder

Seca e queimadas no Brasil levam Lula a recalibrar fala de abertura na ONU

Janja chega antes de Lula e denuncia 'interesse criminoso' no clima

Publicado em 20/09/2024 9:56 - Jamil Chade (UOL) – Edição Semana On

Divulgação

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A seca inédita no Brasil e o avanço de queimadas no país estão levando o governo brasileiro a recalibrar o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ONU, a partir da próxima semana. A questão climática, que já seria um dos pontos centrais de sua mensagem, deve ganhar ainda mais peso quando o brasileiro abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas, na terça-feira (24).

O discurso começou a ser desenhado ainda no mês passado. Mas foi apenas há uma semana que os rascunhos que tinham sido preparados no Itamaraty chegaram à Presidência. Ali, uma decisão política será tomada sobre os pontos que entram e os que são retirados.

Se em 2023 a fala de Lula se concentrou na questão da desigualdade, a intenção desta vez era insistir sobre a necessidade de que haja uma reforma completa dos organismos internacionais, inclusive com uma proposta de uma emenda à Carta das Nações Unidas, de 1945, e uma ampliação do Conselho de Segurança até 2030.

Nas versões iniciais do texto, a questão climática já seria amplamente mencionada como um dos pilares da mensagem. Mas, desde que as queimadas ganharam dimensões nacionais, assessores do Palácio do Planalto passaram a julgar a necessidade de que a questão ganhasse um peso ainda maior. Inclusive para não soar como um discurso desconectado da realidade.

O formato final do texto não está estabelecido e deve ser fechado apenas no fim de semana. Mas algumas indicações em Nova York apontam que a tendência deve ser a de dar uma centralidade à questão ambiental.

“As tragédias das enchentes no Rio Grande do Sul e, mais recentemente, das queimadas em boa parte do território nacional alertam para a necessidade de intensificar nossas ações de mitigação e prevenção à mudança do clima, de proteção ambiental e de ampliação de políticas de desenvolvimento sustentável, em particular o combate à pobreza e à desigualdade”, disse o embaixador do Brasil na ONU, Sergio Danese, dar um recado semelhante.

Diferentes discursos vão compor mensagem do Brasil

Lula, porém, não fará apenas um discurso em Nova York, e o governo considera que para entender de forma completa sua mensagem será necessário levar em conta todas suas principais falas.

A primeira delas ocorre no domingo, na Cúpula do Futuro, também na ONU. Ali, a mensagem será a de que uma reforma do Conselho de Segurança até 2030 deve ser um objetivo. Ele também deve insistir na abertura dos organismos financeiros para também atender aos interesses dos emergentes.

Outro momento importante na construção da narrativa de Lula será o encontro com cerca de 20 governos, também no dia 24. O grupo vai dar uma mensagem de apoio à democracia e de combate aos extremismos políticos.

Lula, ao contrário de anos anteriores, não ficará hospedado em um hotel de Nova York. Ele e a primeira-dama irão se hospedar na casa do embaixador do Brasil na ONU. Ministros e assessores, porém, serão distribuídos por hotéis pela cidade.

Janja chega à ONU antes de Lula e denuncia ‘interesse criminoso’ no clima

A primeira-dama Janja Lula da Silva chegou à sede da ONU antes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e discursou sobre clima, seca e desenvolvimento social. Ela fez um apelo para que empresas privadas também destinem recursos para o Fundo Amazônia e denunciou o que chamou de “interesses criminosos de terroristas climáticos”, numa alusão aos incêndios que atingem o país.

Na quinta-feira, Janja falou no primeiro dia da reunião do Pacto Global – Rede Brasil, na sede da ONU em Nova York, para um público composto principalmente por empresas brasileiras e estrangeiras, além de ONGs e movimentos ambientalistas. Estão no evento empresas como Banco do Brasil, Itaipú Binacional, consultorias ambientais e hospitais. Ela não estava no programa oficial divulgado pelos organizadores do evento.

Lula desembarca na cidade no sábado (21) e, a partir de domingo, participa de cúpulas e terá reuniões com mais de uma dezena de líderes estrangeiros. Seu discurso está sendo elaborado há semanas e, neste momento, está no Palácio do Planalto para uma definição. A questão climática e cobrança por reformas estarão no centro de sua fala.

Mas, na quinta-feira (19), coube à primeira-dama dar o pontapé inicial, antecipando vários dos pontos que o governo deve citar nos próximos dias.

“As enchentes, as secas prolongadas e os incêndios estão cada vez mais frequentes e intensos em todas as regiões do mundo. E a resposta global às mudanças climáticas não tem sido rápida o suficiente para diminuir seu impacto sobre nossas vidas e futuros”, disse Janja.

“Como se não bastasse o desafio premente de nos prepararmos e nos adaptarmos para esses eventos extremos enquanto eles se aceleram, ainda precisamos lidar com ações e interesses criminosos de terroristas climáticos, como bem disse a ministra Marina Silva”, afirmou a primeira-dama.

“Foi pensando nisso que o presidente Lula propôs uma agenda internacional focada na cooperação, na solidariedade e no bem comum”, disse. “Mas trazendo a urgência e ousadia necessárias para os grandes desafios do combate às desigualdades e à crise climática.”

Segundo ela, ao levar a COP 30 para a Amazônia, “queremos nos inspirar nas experiências diversas e ricas de resistência e de construção de relações harmônicas entre pessoas e a natureza”.

Janja declarou que a COP em Belém, no Pará, será a “oportunidade para que os países e povos do mundo todo possam avançar nas negociações climáticas a partir de uma compreensão ainda mais concreta da realidade nos territórios impactados”.

Seca

A primeira-dama também destacou como a floresta amazônica “tem sofrido com secas históricas, afetando não apenas a população local e do Brasil, mas também o equilíbrio entre os diversos biomas e regiões do mundo”.

“Os interesses econômicos e comerciais de alguns não podem ser os motores da destruição que já afeta e seguirá afetando o futuro de milhões de pessoas”, disse.

Falando ainda de planos de transformação ecológica, ela defendeu a promoção de “uma mudança nos paradigmas econômicos, tecnológicos e culturais para construirmos um desenvolvimento mais sustentável”.

Pedido de recursos

Janja ainda destacou como o Fundo Amazônia recebe “majoritariamente doações de países, mas pode também receber doações de empresas e de fundos privados”. O apelo foi para que empresas também contribuam.

“Precisamos seguir trabalhando juntos para frear o avanço das mudanças climáticas e na construção da nossa resiliência, cooperando com os outros países e povos para construirmos um mundo mais justo, solidário e sustentável para todas as pessoas”, defendeu.

“Não temos mais tempo a perder, não temos mais o tempo que imaginamos, agora é o tempo da natureza, o tempo é do planeta terra, a casa de todas e todos nós”, insistiu.

Foto: Jamil Chade

Janja critica governo Bolsonaro

A primeira-dama ainda usou o discurso para criticar o governo de Jair Bolsonaro. Segundo ela, os avanços que ocorriam no Brasil “foi interrompido com a chegada ao poder de um governo focado em cortes orçamentários de programas sociais, na retirada de direitos trabalhistas e sociais, na desregulamentação de leis e aparelhamento das agências ambientais do estado”.

“Vivemos no Brasil um período de 6 anos de retrocessos e desmontes, com os quais ainda trabalhamos para superar e reconstruir políticas sociais, ambientais e econômicas todos os dias”, disse.

Para ela, isso impactou a capacidade do Brasil de alcançar os objetivos e metas da ONU para a agenda 2030. “Voltamos para o mapa da fome da ONU e tivemos novamente que encarar a realidade cruel do aumento da fome e da pobreza”, disse.

Listando as medidas adotadas pelo governo Lula, Janja destacou como isso teria tido um impacto positivo.

Mas alertou que como contexto global “se agravou”. “Estamos vivendo crises que se interconectam e se retroalimentam. A crise climática que se acelera, com eventos extremos se espalhando pelo mundo, com um custo humano e material enorme”, alertou.

Ela ainda repetiu a tese do governo brasileiro nas negociações climáticas, insistindo sobre o impacto desequilibrado nos países mais pobres.

“Povos ao redor do mundo, e em nossa região, mesmo contribuindo em menor medida para as causas da crise climática, têm sofrido mais profundamente suas consequências”, disse. “Ainda mais as populações mais vulneráveis, reforçando desigualdades econômicas, de gênero e raça. Essas pessoas encontram mais dificuldades de se recuperarem e se tornarem resilientes”, apontou.


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