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Selva! Desvio de joias foi uma das maiores ‘operações militares’ do ex-presidente
Publicado em 11/07/2024 9:51 - Aguirre Talento e Leonardo Sakamoto (UOL) – Edição Semana On
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A Polícia Federal cumpre cinco mandados de prisão preventiva nesta quinta-feira (11), na quarta fase da Operação Última Milha, que apura desvios na Abin (Agência Brasileira de Inteligência) sob o governo Bolsonaro e a atuação do chamado “gabinete do ódio”, grupo que disseminava nas redes sociais ataques contra autoridades e notícias falsas.
Um dos alvos de prisão é Mateus Sposito, que foi assessor no Ministério das Comunicações no governo Bolsonaro e é suspeito de também atuar para o “gabinete do ódio”. Outro alvo de prisão é Richards Pozzer, que divulgava notícias falsas em suas redes sociais e chegou a publicar ataques contra senadores da CPI da Covid.
O ex-assessor do Palácio do Planalto José Matheus Sales, que era um dos principais integrantes do “gabinete do ódio”, foi alvo de busca e apreensão. A PF também cumpriu buscas na residência de um assessor legislativo, Daniel Ribeiro Lemos, que trabalha para um deputado do PL. Ele é suspeito de auxiliar na estrutura do “gabinete do ódio”.
Gestão de Ramagem
A PF também mira ex-integrantes da Abin durante a gestão do ex-diretor Alexandre Ramagem, atual deputado federal pelo PL-RJ e pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro.
Um dos presos é o policial federal Marcelo Bormevet, que foi levado para a Abin por Ramagem para comandar um órgão de inteligência. Também foi preso o militar do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues, que trabalhava na Abin subordinado a Bormevet.
Nesta fase da operação, a PF apura suspeitas de que a Abin atuou clandestinamente para divulgar notícias falsas sobre membros dos Três Poderes e jornalistas, além de acessar ilegalmente computadores, aparelhos de telefonia e a infraestrutura de telecomunicações para monitorar pessoas e agentes públicos.
Também são cumpridos sete mandados de busca e apreensão. Os mandados foram expedidos pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, relator da investigação.
Carlos Bolsonaro
A investigação da PF sobre os desvios na Abin já identificou indícios de que Ramagem abastecia o vereador Carlos Bolsonaro com informações. Por isso, o “filho 02” do ex-presidente chegou a ser alvo de busca e apreensão em uma fase anterior. Ele não é alvo de mandados nesta nova fase.
Selva! Desvio de joias foi uma das maiores operações militares de Bolsonaro
“Selva!” A saudação militar usada quando alguém está ciente de algo foi postada por Bolsonaro quando seu então ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, lhe enviou o link de um leilão online nos Estados Unidos em que estavam sendo ofertadas joias doadas ao Brasil por governos árabes. Isso mostra que ele sabia do desvio de patrimônio nacional para o seu bolso, ao contrário do que disse inicialmente.
Bolsonaro mudou sua estratégia para explicar o caso a aliados. Se antes dizia que não sabia de nada, agora afirma que não cometeu crime algum e solta uma justificativa do tipo “e o PT?”, ao afirmar que Lula foi acusado da mesma coisa. Ignora que foi apenas em 2016 que o Tribunal de Contas da União (TCU) deixou claro que itens personalíssimos de luxo recebidos por mandatários devem ficar com o país.
O relatório da Polícia Federal entregue ao Supremo Tribunal Federal mostra que não apenas Jair sabia muito bem o que estava fazendo como entendia que era ilegal. Tanto que alguns dos produtos caríssimos entraram no Brasil como muamba, contrabandeado na mochila de militares.
Jair é um ex-capitão do Exército, e o “selva!” na conversa nos lembra disso. Dos outros 11 indiciados nesse escândalo de desvio de bem público, lavagem de dinheiro e organização criminosa, nove vestem ou já vestiram farda. Jair prometeu levar os militares a um novo patamar com a sua chegada ao poder. E conseguiu: agora temos a quadrilha de militares que lava e surrupia joias.
Além de dois advogados, temos na lista de indiciados o ex-capitão Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, o general Mauro Lourena Cid, o almirante Bento Albuquerque, o contra-almirante José Roberto Bueno Júnior, o capitão de corveta Marcelo Vieira, o coronel Marcelo Costa Câmara, o capitão-tenente Marcos André do Santos Soeiro e o primeiro-tenente Osmar Crivelatti. Júlio Cesar Vieira Gomes, ex-chefe da Receita Federal, também entra na lista porque é ex-oficial da Marinha e deixa isso claro em seu currículo.
É tanto militar junto atuando por uma única causa a mando da Presidência da República que podemos dizer, sem receio algum, que essa foi uma das maiores operações militares da gestão anterior. Teve até avião da Força Aérea envolvido.
Em um áudio bastante paradigmático disso, o coronel Marcelo Câmara explicou ao tenente-coronel Mauro Cid que o capitão de corveta Marcelo da Silva Vieira havia dito que era necessário aviso prévio para a venda de bens destinados ao acervo privado do capitão Jair Bolsonaro.
Cid aceita, mas indaga: “Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah”. Câmara concorda e ironiza: “O problema é depois justificar e para onde foi. De eu informar para a Comissão da Verdade. Rapidamente, vai vazar”. Todo mundo sabia que havia uma sacanagem em curso. Nesse sentido, o grupo mudou o sentido de “selva” que também pode significar “dane-se”.
Como já disse aqui, o trambique da venda de joias surrupiadas não complica apenas a vida dos envolvidos, mas também mancha a imagem de setores das Forças Armadas – que estabeleceu uma relação para lá de promíscua com o governo anterior.
Forças Armadas são importantes para qualquer país, desde que saibam quem devem proteger. A sua potência está na capacidade de respeitar a Constituição Federal, não de obter benefícios em troca de ser usada para atender às necessidades de um governo de plantão.
Bolsonaro conseguiu cooptar parte dos militares com cargos, vantagens na Reforma da Previdência, licitações de produtos de luxo para o oficialato. Cobrou, em troca, sujeição para degradar a democracia e cumplicidade enquanto garantia o vale-tudo ambiental na Amazônia.
Seus membros se beneficiam de licitações de Viagra e próteses penianas, camarão e filé mignon, pensões especiais para filhas não casadas e acesso a hospitais especiais. Enquanto isso, coronéis articularam bizarras reuniões em que se negociou com reverendos, servidores públicos e políticos, sobrepreço e propinas para a compra de doses de vacina contra a covid-19. A CPI da Covid citou um rosário de coronéis, como Élcio Franco, Marcelo Blanco, Helcio Bruno…
A farra dos militares envolvidos no caso das joias mostra que as Forças Armadas precisam depurar suas fileiras sob o risco de não levantarem a imagem tão cedo. Nem com ajuda química.
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