07/07/2024 - Edição 550

Poder

Polícia Federal indicia Bolsonaro por venda de joias recebidas na Presidência

Chefe de gabinete de Carluxo pagou contas do ex-presidente e de Michelle

Publicado em 04/07/2024 5:06 - UOL, Juliana Dal Piva e Igor Mello (ICL Notícias) – Edição Semana On

Divulgação

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A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por peculato (desvio de dinheiro público), associação criminosa e lavagem de dinheiro na investigação sobre a venda no exterior de joias recebidas durante viagens oficiais pela Presidência.

O STF (Supremo Tribunal Federal) informou que o indiciamento ainda não chegou ao gabinete do relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes. Segundo a assessoria do Supremo, como se trata de um processo físico, e não digital, a expectativa é que não chegue hoje à Corte.

A investigação apontou que o ex-presidente e aliados teriam agido para desviar dinheiro de presentes oficiais que Bolsonaro recebeu em visitas oficiais a outros países. Na prática, ao vender os bens, Bolsonaro teria desviado patrimônio público, pois estes presentes oficiais deveriam fazer parte do acervo nacional da Presidência.

Além de Bolsonaro, foram indiciados auxiliares do ex-presidente. Em delação premiada, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, admitiu que as joias foram vendidas para pagamento em dinheiro vivo a Bolsonaro. Ao jornal O Estado de S.Paulo, o ex-presidente negou ter ordenado a venda das joias e disse que não recebeu nenhum valor por elas.

Agora, a PF encaminha o inquérito à PGR (Procuradoria-Geral da República). Caberá à instância máxima do Ministério Público analisar as conclusões da Polícia e decidir se vai denunciar ao STF (Supremo Tribunal Federal) o ex-presidente e seus ex-auxiliares envolvidos no episódio.

Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro foram convocados a depor para a PF em agosto do ano passado e optaram por ficar em silêncio. A defesa do presidente chegou a pedir ao STF a anulação do processo, mas o pedido foi negado pela ministra Cármen Lúcia.

Caso foi revelado em março de 2023

A venda de joias de Bolsonaro no exterior foi revelada em março de 2023. Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo mostrou que, em outubro de 2021, o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tentara entrar no país com uma mala com joias da Arábia Saudita destinadas a Bolsonaro sem declarar, mas os itens acabaram retidos pela Receita Federal.

Inicialmente, a PF investigava dois kits de joias recebidos em 2021, mas depois descobriu um terceiro kit, de 2019. Entre os itens estavam brincos de diamantes que seriam presente para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, anéis, pares de abotoaduras, uma caneta da marca Chopard, um rosário árabe e dois relógios. Bolsonaro ainda precisou devolver ao TCU (Tribunal de Contas da União) um kit de armas da marca Caracol recebido em viagem à Arábia Saudita.

A investigação sobre a joia não declarada levou a PF a rastrear tentativas de vendas de kits recebidos por Bolsonaro. Seus ex-auxiliares, incluindo o ajudante de ordens Mauro Cid e seu pai, general Mauro Lourena Cid, venderam um relógio Rolex e outro da marca Patek Philippe nos Estados Unidos em junho de 2022. Eles ainda expuseram as outras joias em casas especializadas de Miami, segundo a PF.

Quando o escândalo veio à tona, o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef , acabou recomprando o relógio nos EUA para devolver às autoridades brasileiras. A ação reforçou as suspeitas da PF sobre o grupo. Para a Polícia, a devolução dos produtos tentou “escamotear” a venda das joias no exterior. À época, Wassef negou participar da venda das joias, mas não se manifestou sobre a recompra do relógio.

A conta bancária do pai de Mauro Cid nos EUA foi usada no esquema, segundo a investigação. A suspeita da PF é de que ele teria sacado os recursos para entregar o dinheiro em espécie para Bolsonaro.

Nova joia descoberta

Uma nova joia que teria sido colocada à venda no exterior foi descoberta pela PF na etapa final da investigação. Uma equipe da Polícia Federal viajou aos Estados Unidos em maio deste ano para investigar a negociação das joias e, em operação conjunta com o FBI, a polícia federal americana, descobriu a tentativa de venda de mais uma joia recebida pelo ex-presidente.

O novo elemento reforçou ainda mais as suspeitas contra Bolsonaro, na avaliação da PF. O caso já estava sendo finalizado, mas a conclusão foi adiada em algumas semanas com a descoberta.

Cid e seu pai não apresentaram detalhes sobre nova joia. Os dois depuseram à PF no último dia 18 de junho, mas afirmaram não ter conhecimento deste novo item.

Mauro Cid fechou um acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal e se comprometeu a revelar o que sabe em troca de benefícios. Informações da delação do ex-assistente de Bolsonaro foram usadas no inquérito das joias e em pelo menos outros dois: sobre a falsificação na carteira de vacinação do ex-presidente e sobre a descoberta de uma minuta de tentativa de golpe após a eleição presidencial de 2022.

Chefe de gabinete de Carlos também pagou contas de Bolsonaro e Michelle

Perícia realizada pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio) em dados bancários de Carlos Bolsonaro (PL-RJ) e de seus assessores constatou que o chefe de gabinete do vereador, Jorge Luiz Fernandes, também pagou despesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), de sua esposa Michelle Bolsonaro (PL-DF) e de Rogéria Bolsonaro, mãe de Carlos.

As informações constam em relatório obtido pela coluna com exclusividade. No documento, não foi registrado que Jair Bolsonaro, Michelle ou Rogéria tenham feito depósitos ou transferências de valores semelhantes em datas próximas a esses pagamentos efetuados com dinheiro da conta-corrente do chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro.

Os dados foram verificados após a análise de boletos pagos por Fernandes entre 2005 e 2021, período abrangido pela quebra de sigilos fiscal e bancário autorizada pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio). Diante do grande volume de transações desse tipo, o Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro e Corrupção do MP-RJ analisou por amostragem esse tipo de movimentação financeira — sorteando aleatoriamente um número de documentos.

Entre os boletos sorteados há dois pagamentos feitos em 2018 em nome de Jair Bolsonaro, mesmo ano em que ele foi eleito presidente da República. Há ainda um pagamento de despesa para Michelle Bolsonaro, em 2019, quando ela já era primeira-dama.

Para Bolsonaro, o chefe de gabinete de Carlos pagou uma fatura de seguro automotivo, no valor de R$ 2.319,92, e uma fatura de uma administradora de imóveis, de R$ 1.131,51. Já a despesa de Michelle foi uma multa de trânsito com custo de R$ 311,48.

Fernandes pagou ainda uma despesa de Rogéria Bolsonaro, mãe de Carlos, no valor de R$ 806,77.

Como nem todos os boletos foram analisados,é possível que outros pagamentos para integrantes da família Bolsonaro também tenham sido realizados no período.

Pagamentos sistemáticos para Carlos Bolsonaro

Como a coluna revelou ontem, na amostragem o MP encontrou ao todo 23 boletos pagos pelo chefe de gabinete em nome de Carlos Bolsonaro e de seus familiares, mostrando que ele sistematicamente arcava com as despesas do chefe. Como a perícia só analisou uma fração dos pagamentos, o valor desembolsado em favor da família Bolsonaro pode ser ainda maior.

O chefe de gabinete é investigado por ser supostamente o operador do esquema de rachadinha de Carlos Bolsonaro. De acordo com a quebra de sigilos, ele recebeu pouco mais de R$ 2 milhões em sua conta de seis outros nomeados por Carlos Bolsonaro na Câmara. Já Carlos Bolsonaro é apontado pelo MP como chefe de uma organização criminosa para a prática dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Os tropeços de Carlos Bolsonaro

O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) adquiriu um carro utilizando R$ 52 mil, em dinheiro vivo, em 2010, e um apartamento no centro do Rio de Janeiro, em 2012, pelo valor de R$ 180 mil. Nesses dois anos, porém, a análise do patrimônio dele feita pelo Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro e Corrupção do MP-RJ (Ministério Público do Rio) indica que ele não tinha lastro para as operações na renda em que recebeu nos dois respectivos anos. É o que mostra um relatório do MP-RJ obtido pela coluna com exclusividade.

“Os anos-calendário 2010 e 2012 apresentaram evidências de patrimônio a descoberto”, informou o MP, no relatório. “Importante ressaltar que, ao apresentar “patrimônio a descoberto”, o saldo de caixa fica negativo, ou seja, sua renda líquida mensal fica insuficiente para arcar com suas despesas mensais declaradas”, explica o MP.

O patrimônio a descoberto é configurado quando a renda líquida do contribuinte não é suficiente para lastrear o aumento de patrimônio. Segundo relatório publicado pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) em 2023, a prática de patrimônio a descoberto por agentes públicos pode configurar improbidade administrativa e enriquecimento ilícito.

Filho 02 pagou carro com R$ 52 mil em dinheiro vivo

No relatório feito pelo Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro do MP, os investigadores apontam que, em 2010, que Carlos apresentou “variação patrimonial de R$ 44.185,09 e rendimentos líquidos auferidos de R$ 28.810,13”. A variação é o que aumentou de um ano para o outro e os rendimentos líquidos são obtidos depois que são deduzidas as despesas declaradas.

O vereador teve um “comprometimento de 153,37% da renda líquida declarada em decorrência do aumento patrimonial”. O documento aponta que “em razão desse fato, a renda média líquida mensal para o ano 2010 ficou negativa em R$ 1.281,25, de forma que o investigado não possuiria recursos para arcar com todas as suas despesas declaradas”.

Isso ocorreu, segundo o MP, entre outros motivos, porque Carlos declarou a aquisição do veículo Honda Civic EXS, ano 2009, placa KZD3409, e parte do pagamento pelo carro, R$ 52.200,00 ocorreu “em espécie”. O relatório não informa o total da negociação que foi informado na declaração de imposto de renda. Somente o valor quitado em dinheiro vivo.

Apartamento por R$ 180 mil mas sem dinheiro

O MP também encontrou indícios de patrimônio a descoberto no ano de 2012 e o principal problema identificado está relacionado com a compra de um apartamento no centro do Rio por R$ 180 mil.

“No ano-calendário 2012, o investigado apresentou rendimentos líquidos auferidos de R$ 147.390,99 e variação patrimonial de R$ 186.920,55”, informou o MP. Segundo os investigadores, isso representou uma receita média líquida mensal negativa em R$ 3.294,38. Ou seja, esse é o valor que o vereador teria que ter a mais de renda mensal para justificar o aumento patrimonial.

“Como o aumento de seu patrimônio não teve respaldo nos rendimentos recebidos, tampouco em outras fontes que justificariam o referido aumento, considera-se que, nesse ano, houve evidências de patrimônio a descoberto”, concluem os investigadores.

O MP conclui que isso ocorreu muito em função da compra do apartamento. Ao verificar a escritura do apartamento, a coluna verificou que Carlos não informou em cartório o modo como quitou um total de R$ 60 mil.

Na escritura, feita no 23º Ofício de Notas, o vereador informou que pagou R$ 120 mil por meio de uma transferência eletrônica. No entanto, não foi registrado o modo como foi pago o sinal de R$ 40 mil e ainda o saldo de R$ 20 mil que seria pago quando o antigo proprietário apresentasse a certidão de débitos negativos do imóvel.

A 1ª Vara Criminal Especializada do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) autorizou a quebra de sigilos fiscal e bancário de Carlos Bolsonaro e de seus assessores entre 2005 e 2021. A 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada apura peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete de Carlos e pediu uma análise dos dados obtidos. O relatório obtido pela coluna é de 22 de agosto de 2023.


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