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Congresso não leva Brasil para direita, empurra-o para o fundo
Publicado em 31/10/2024 8:57 - Ricardo Noblat (Metrópoles), Josias de Souza e Jamil Chade (UOL) – Edição Semana On
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Esta é uma história que ainda hoje, quase 20 anos depois, Lula gosta de contar. À época presidente da República pela primeira vez e em visita aos Estados Unidos, ele foi acordado em Nova Iorque por um telefonema na madrugada do dia 15 de fevereiro de 2005.
O deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), membro do chamado baixo clero, acabara de ser eleito presidente da Câmara. Derrotara no segundo turno por larga margem de votos (300 a 195) o candidato oficial do PT, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh.
Foi um espanto para Lula, mas não somente para ele. Dava-se como certa a vitória de Greenhalgh que obteve 207 votos no primeiro turno. Acontece que o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) disputou a eleição como candidato avulso, atraindo 117 votos.
Mal recuperou-se da notícia, o que fez Lula? Foi ao banheiro, lavou o rosto, pediu uma ligação para Cavalcanti, parabenizou-o pela vitória e se ofereceu para ajudá-lo. O que Cavalcanti queria era indicar um afilhado para “a diretoria da Petrobras que fura poço”.
Lula atendeu-o. E os dois passaram a tocar de ouvido. Até que sete meses depois, para não ser cassado, Cavalcanti renunciou ao cargo. Descobriu-se que ele recebia a mesada de 10 mil reais por mês de um concessionário de restaurante na Câmara.
Em fevereiro próximo, como a cada dois anos, a Câmara elegerá um novo presidente. Outro dia, Jaques Wagner (PL-BA), líder do governo no Senado, disse que não há a menor hipótese de Lula perder essa eleição pelo simples fato de que não se meterá nela.
A ver-se com os dados hoje disponíveis, o sucessor de Arthur Lyra (PP-AL), atual presidente, poderá ser o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), que já conta com o apoio do PT de Lula, do PL de Bolsonaro, MDB, PP e Podemos.
Há pelo menos dois ministros do Supremo Tribunal Federal e um do Superior Tribunal de Justiça em campanha para eleger Motta. Lula liberou o PT para apoiar quem quiser. Pretende observar tudo de longe. Mas sabe que ainda faltam três meses para a eleição.
Rolarão muitas pedras até lá.
Congresso não leva Brasil para direita, empurra-o para o fundo
Os dramas do povo pobre brasileiro ferveram no caldeirão da campanha municipal. Faltam moradias, empregos, exames, remédios, segurança e amparo para quem rala à margem da CLT. As urnas mal falaram e o Congresso já mudou de assunto. A articulação para a sucessão nas presidências da Câmara e do Senado gira em torno de dois temas: a anistia do 8 de janeiro e a volta do pagamento das emendas.
Ns urnas, Bolsonaro amargou a derrota do seu extremismo. Na Câmara, foi presenteado por Arthur Lira com a sobrevida do projeto de anistia. Ganhou a vitrine de uma comissão para exibir familiares dos golpistas presos. Em troca, o capitão colocou o PL no colo de Hugo Motta, candidato à poltrona de Lira. Fez isso mesmo sabendo que o PT pode tomar o mesmo rumo.
O fracasso nas urnas subiu à cabeça de Bolsonaro. Ele já fala abertamente em incluir no projeto da anistia um artigo anulando a sua inelegibilidade. À espera das costuras da Câmara, Davi Alcolumbre é a favor de tudo e contra qualquer outra coisa, desde que não atrapalhem o seu retorno à presidência do Senado.
Num ponto, Alcolumbre, provável substituto de Rodrigo Pacheco, está plenamente de acordo com o futuro sucessor de Arthur Lira, seja ele quem for. Todos fecharam com a articulação para reabrir o cofre das emendas Pix, barradas por uma liminar do ministro do Supremo Flávio Dino.
De volta ao trabalho, o Congresso não leva o Brasil para a esquerda nem para a direita. Leva-o para o fundo. O Poder brasiliense roda como um parafuso espanado. Um parafuso que não gira a “porca” da vida nacional.
Ex-mulher de Lira leva denúncia contra ele à Comissão Interamericana
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, é acusado de violência doméstica e violações de direitos humanos na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington.
O caso foi iniciado pela defesa de sua ex-companheira, Jullyene Cristine Santos Lins, com objetivo de que o processo seja encaminhado para a Corte Interamericana. O tribunal regional, reconhecido pelo Brasil, poderia emitir uma sentença que obrigue o estado a atuar no caso.
O relacionamento entre os dois começou em 1997. Um ano depois, passaram a morar juntos. Em 2006, Lira e Jullyenne romperam. As supostas agressões teriam acontecido nesse ano.
Na denúncia, o presidente da Câmara é acusado de agressões físicas e psicológicas. A petição, assinada pela advogada Talitha Camargo da Fonseca, ainda cita casos de ameaças de morte, controle financeiro e psicológico, além de interferência em processos judiciais. Jullyene alega que sofreu retaliações após denunciar os crimes.
Procurado, a assessoria de Lira afirmou que não irá se pronunciar. Nos bastidores, Lira costuma dizer que a ex-mulher sempre reedita acusações em época de eleição.
O STF absolveu Lira dessas acusações em 2015. Além da ausência de provas, os ministros entenderam que o crime prescreveu, por demora na apresentação da denúncia.
A petição, como é a regra da Comissão Interamericana, é contra o estado brasileiro e solicita que as autoridades nacionais atuem tanto para proteger a suposta vítima como para criar mecanismos que fortaleçam a posição de mulheres que tenham sido alvos de violência.
A advogada ainda pede uma indenização de R$ 1 milhão ao estado brasileiro, por conta de sua ação que teria “invisibilizado” a situação da ex-companheira de Lira.
Segundo a petição, o deputado teria utilizado “sua posição de influência política para intimidar e silenciar a vítima, além de obstruir o acesso dela à Justiça”. As agressões, de acordo com o texto, teriam ocorrido por um longo período e deixado sequelas emocionais em Jullyene.
O documento, com mais de 140 páginas, ainda inclui laudos médicos e depoimentos de testemunhas. Na denúncia, a advogada ainda aponta para a falha do Estado Brasileiro em garantir a proteção de Jullyene.
Segundo a advogada, o Ministério de Direitos Humanos não incluiu a ex-companheira do deputado no programa de proteção à testemunha.
Em outro trecho da petição, a advogada aponta como a ex-mulher de Lira “foi chamada pela Justiça para prestar depoimento à Polícia Federal nas Operações da Taturana (2016) e Lava-Jato (2019), auxiliando no combate à corrupção no Brasil”. Mas, segundo a denúncia, “o Ministério Público do estado de Alagoas disse que não poderia protegê-la no território do estado”.
Em junho deste ano, quando o presidente da Câmara passou a ser atacado em meio ao debate do PL do aborto, ele pediu ao STF para retirar do ar entrevistas feitas com a ex-mulher com as mesmas acusações.
O ministro Alexandre de Moraes chegou a determinar a censura de uma entrevista da Folha de S. Paulo, uma matéria do portal Terra, um vídeo da Mídia Ninja e uma matéria do site Brasil de Fato. O ministro, porém, acabou revendo a decisão e entendeu que alguns dos links que o presidente da Câmara queria tirar do ar eram de matérias jornalísticas publicadas há mais tempo e não ataques contra Lira.
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