07/07/2024 - Edição 550

Poder

‘Mercado’ demanda sacrifício de idoso, educação e saúde para paz com Lula

Se o dólar sobe, a culpa é do presidente. Se caiu, foi apesar dele

Publicado em 04/07/2024 8:50 - Leonardo Sakamoto (UOL), Ricardo Noblat (Metrópoles) - Edição Semana On

Divulgação

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Lula tinha razão nas críticas aos juros altos e ao comportamento político do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Mas ao se estender nessa cruzada (a falta que José Alencar faz…) acabou mordendo a isca da nuvem de gafanhotos do capital especulativo. Agora, tudo o que ele diz sobre o assunto é usado para derrubar o real. E sua irritação e insistência sobre isso só realimenta o processo.

O dólar está subindo em todo o mundo, mas o real está desvalorizando mais do que outras moedas. Com PIB subindo, desemprego caindo, renda crescendo e inflação dentro da meta, não haveria razão para uma alta do dólar desse porte. Mas ela ocorre.

As críticas à política de juros e ao câmbio e a falta de ações para fechar as contas públicas geram incerteza para grupos de investidores sobre o futuro da política monetária? Sim. Mas o que está acontecendo agora é também uma galera alucinada que quer cascalho. Uma parte dos especuladores espera salivando as declarações diárias de Lula para tentar faturar em cima. E vai conseguindo.

Em meio ao caos, ressurge o discurso de que o governo deveria cortar gastos públicos para demonstrar boa vontade e alcançar a paz derradeira. Sim, o mercado demanda um sacrifício. Não demandou quando o governo anterior pedalou nos precatórios, mas o ministro achava um absurdo empregada doméstica na Disney, então tudo bem.

Quando perguntamos a Lula, na entrevista do UOL, sobre as desvinculação do salário mínimo de pensões e do Benefício de Prestação Continuada (o valor pago a idosos miseráveis), e ele foi categórico, dizendo que não faria isso nem que vaca tussa, muita gente surtou (ou, teatralmente, diz que surtou). Quando ele não se comprometeu a mudar o piso constitucional de educação e saúde, também.

Agora, joga-se isso de novo na mesa, afirmando que são as provas de responsabilidade que o governo precisa dar para acalmar os ânimos. Ou seja, rifar a qualidade de vida da população mais pobre que depende de papel higiênico na creche, gaze e aspirina no posto de saúde e o arroz e o feijão comprados com o BPC.

É mais fácil encontrar gente poderosa defendendo limitar o orçamento para escolas e hospitais públicos e desvincular do salário mínimo pensões e benefícios sociais do que achar quem empunhe a bandeira de taxar decentemente os super-ricos, tornar o Imposto de Renda de fato progressivo, reduzir subsídios e desonerações. Cada um por si e Deus acima de todos.

Como já disse aqui, isso não surpreende, apenas preocupa pela possibilidade de faltar óleo de peroba no Brasil.

Governos precisam ser cobrados a fazer gastos racionais, eliminando aqueles desnecessários ou que privilegiam castas. Boa parte do debate público, contudo, deliberadamente “esquece” da desoneração – esse gasto público que está protegido por bancadas e grupos de lobby no Congresso e na mídia.

A interrupção do falatório do presidente da República pode amenizar o quadro, mas não vai resolver o problema. O mercado vai continuar demandando um sacrifício. Do tamanho de mais da metade da população, que ganha até dois salários mínimos, e precisa do Estado para sobreviver.

Se o dólar sobe, a culpa é do Lula. Se caiu, foi apesar de Lula

Quando o dólar sobe, a culpa é de Lula, acima de tudo. De suas declarações raivosas contra a política de juros altos do Banco Central e o seu presidente, Roberto Campos Neto.

Quando o dólar cai, o mérito não é de Lula. Fatores externos derrubaram o dólar. Como se fizesse um favor, menciona-se e ao mesmo tempo duvida-se que Lula vá cortar despesas.

Lula autorizou um corte de despesas de R$ 25,9 bilhões em programas do governo para fechar as contas públicas de 2025, e manteve a meta fiscal deste ano, que é de déficit zero.

O dólar sobe e cai porque há em uma ponta e na outra os que lucram com a dança dos números. Às vezes ganham, às vezes perdem. É do jogo aqui e em todo lugar do mundo.

Não é de hoje que Lula reclama dos juros altos. No seu primeiro governo, dada à política econômica herdada do anterior, quem reclamava por Lula era José de Alencar, o vice.

Lula dava corda em Alencar, empresário mineiro, embora apoiasse a política econômica conduzida pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, para contrariedade do PT.

Por outros motivos, Palocci seria demitido antes do final do primeiro mandato de Lula. Alencar continuou como vice no segundo mandato de Lula até a data da sua morte.

O compromisso de Lula com o equilíbrio das contas públicas vem daquela época – ou de antes. Ele diz ter aprendido com sua mãe que não se deve gastar além do que se tem.

Deixou as contas relativamente em ordem para Dilma. E ao longo dos dois governos de Dilma, alertou-a com frequência para que respeitasse a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O que ele disse ontem nada tem de novo, mas foi saudado como se novo fosse:

“Neste governo, a gente aplica o dinheiro que é necessário, gasta o que for necessário, mas não joga dinheiro fora. Responsabilidade fiscal não é uma palavra, é um compromisso desde 2003 e a gente manterá ele à risca”.

Quantas vezes já não se escreveu que Lula estaria sabotando a boa administração da economia pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda? Quando foi de fato que ele a sabotou?

Lula é birrento. Aprendeu a crescer brigando. Mas é um conciliador por vocação. Em seus tempos de líder sindical, fazia greves e negociava às escondidas com os patrões.

Sente-se, hoje, rejeitado pelas elites que no passado ganharam muito dinheiro com seus governos, e que bateram à sua porta pedindo para que fosse candidato a suceder a Dilma em 2014.

Que diabos ele fez para que elas, agora, desejem vê-lo pelas costas? Parte dessas elites votou em Lula para derrotar Bolsonaro. Bolsonaro está inelegível, o bolsonarismo, não.

O candidato de Lula a presidente em 2026 será ele. Mas se ele desistir de tentar o quarto mandato, será Haddad, o mais tucano dos petistas, segundo o próprio Lula.

Não há sinais à vista de que os dois chegarão separados em 2026.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *