02/11/2024 - Edição 550

Poder

Fim de grupo de busca por desaparecidos da ditadura estimula novos sumiços forçados

Publicado em 26/04/2019 12:00 -

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A decisão de encerrar as atividades de grupos que buscam identificar desaparecidos políticos na época da ditadura militar, ocorrida de 1964 até 1985, afetará diretamente os trabalhos de quem busca por desaparecidos nos dias de hoje. Essa é análise da promotora Eliana Vendramini, do MP (Ministério Público) de São Paulo, sobre decreto do presidente Jair Bolsonaro que extingue o Grupo de Trabalho Perus, em São Paulo.

Bolsonaro assinou em 11 de abril o decreto 9.759, que extingue e limita conselhos e grupos de trabalhos que contam com participação da sociedade e se remetem ao governo. Segundo ele, essas entidades estavam “aparelhadas politicamente […] para impor suas vontades, ignorando a lei e atrapalhando propositalmente o desenvolvimento do Brasil”. Entre os quais, o Grupo de Perus.

O grupo, resultado de parceria entre a Unifesp, Prefeitura de São Paulo e do Governo Federal, atua para identificar as ossadas de pessoas que sumiram no período do regime militar, entre eles trabalhadores e militantes contrários ao governo ditatorial. O trabalho possibilitou o reconhecimento dos restos mortais de duas pessoas, permitindo com que famílias enterrassem os restos mortais, ainda que depois de décadas das mortes.

Bolsonaro nunca teve apreço a iniciativas que previam reparar os danos provocados pelo Estado no regime militar. Prova disso é que, em maio de 2009, em discurso no plenário da Câmara dos Deputados, o parlamentar declarou que tinha pena dos porcos que comeram os ossos dos militantes mortos na ditadura. A fala criticava as buscas por ossadas de mortos na região do Araguaia. Na ocasião, ele fala da Ponte Rio-Niterói, destaca que foi uma obra da ditadura e homenageia o ex-presidente do regime militar Emílio Garrastazu Médici. Na mesma época, o atual presidente, ainda deputado, posou ao lado de um cartaz que dizia “quem procura osso é cachorro” sobre o mesmo tema.

O ato do presidente gerou revolta em quem atua contra os desaparecimentos. Vendramini, coordenadora do PLID (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos) cobra os motivos para encerrar o grupo de Perus. Para ela, a criação em março do sistema nacional de pessoas desaparecidas vai na contramão da ação tomada agora, de extinguir o grupo.

“Em sã consciência, penso que qualquer gestor público em nenhuma esfera deseja uma criança, um idoso, um jovem, qualquer pessoa desaparecida”, critica, informando que existem cerca de 7 mil desaparecidos hoje em dia apenas em São Paulo. “É uma decisão que afeta rapidíssimo o hoje em dia. Enquanto não tivermos digitalizado o sistema, estamos todos em perigo. Não só os vulneráveis por mil razões sociais, todos estamos. Parece ser um assunto dos outros, mas não é. Tenho medo”, diz.

A promotora detalha que a falta de informações nos B.O.s (Boletins de Ocorrência) de pessoas mortas ou desparecidas influencia de forma direta a identificação de quem some. Segundo ela, é comum constar nos registros apenas cor da pele e gênero. “Pode aumentar o número de desaparecimentos forçados. A política é um sinal de valor, estou falando de pessoa humana, não do motivo pelo qual ela desapareceu”, diz.

Eliana ainda critica o fato de parte da sociedade desvalorizar a pessoa que sumiu na época da ditadura por ser chamada de desaparecido político. O entendimento é de que há uma confusão com tal termo. “Quem desaprece por omissão do Estado no IML (Instituto Médico Legal), por violência, por falta de segurança, não é vítima também de desaparecimento político? Não é essa política que nós queremos. Acontece, sempre vai acontecer porque não acaba a violência, mas podemos lutar contra ela”, explica.

Apesar do decreto do presidente, a presidente da Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos, Eugênia Gonzaga, garantiu que o Grupo de Trabalho de Perus seguirá ativo. “O GT Perus tem estabilidade decorrente do acordo feito em juízo. Se eles [governo Bolsonaro] decidirem não renovar o acordo, estariam descumprindo decisão judicial”, argumenta, em entrevista ao GGN.

Uma das pessoas beneficiadas pelo trabalho do grupo é Fabiano Casemiro, filho de Dimas Antônio Casemiro, o “Rei”. Dimas foi preso entre os dias 17 e 19 de abril de 1971 e morto em seguida e, depois de 41 anos, teve seus restos mortais identificados pelos profissionais envolvidos. Fabiano pôde, enfim, sepultar o pai. Ele só tem elogios ao trabalho desenvolvido hoje em dia na Unifesp.

“É fantástico o trabalho deles, algo impressionante. Têm uma atenção gigantesca com as família. Só tenho que agradecer, como sempre faço quando vou lá. A garra, a vontade deles de descobrir. Eles não desanimam, são de suma importância para as famílias, muita gente ainda quer enterrar o pai, o irmão… Algumas famílias não vão conseguir, infelizmente. Só tenho agradecimento, parabenizar o trabalho deles”, diz.

A reportagem procurou tanto a Unifesp quanto o Governo Federal. Segundo a universidade, ela ainda não foi notificada oficialmente sobre o encerramento do Grupo de Trabalho Perus. “Representantes das instituições que integram o GTP – Unifesp, Ministério dos Direitos Humanos (MDH), Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) da Prefeitura de São Paulo e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), reuniram-se na semana passada e entenderam que o grupo permanecerá atuando, por ter sido criado a partir de um termo de cooperação e que o trabalho de identificação das ossadas não deverá ser prejudicado, por ser fruto de um acordo feito em juízo”, sustenta a Unifesp.

Também procuramos a Prefeitura de São Paulo para solicitar posicionamento sobre o decreto de Bolsonaro e os efeitos diretos junto ao Grupo de Trabalho de Perus e recebemos a seguinte nota: “A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania esclarece que continuará cumprindo os termos do acordo com a União, dando suporte administrativo aos peritos encarregados da identificação das ossadas de presos políticos encontradas no Cemitério de Perus”, aponta a pasta, representando o governo municipal.


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