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Discussão de pacto com anistia ao presidente circula nos bastidores da eleição
Publicado em 28/09/2022 1:00 - Jamil Chade e Josias de Souza (UOL) – Edição Semana On
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Numa carta inédita enviada à Comissão Europeia, 50 deputados do bloco pediram que a Europa rejeite qualquer ameaça feita por Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro e que monitore, mesmo de forma remota, a votação no país no próximo domingo.
O texto ainda sugere que o bloco adote sanções comerciais caso uma ruptura democrática ocorra. A carta não detalha como isso seria feito, apenas indicando que instrumentos comerciais devam ser usados para defender a democracia no Brasil. A coluna apurou que o recado é claro: a suspensão de certos benefícios para produtos brasileiros ou elevação de tarifas. No fundo, uma espécie de sanção pela Europa, um dos principais parceiros comerciais e de investimentos do Brasil.
“Dadas as ameaças inéditas às eleições gerais do Brasil, pedimos que a Comissão Europeia tome medidas adicionais para deixar inequivocamente claro ao Presidente Bolsonaro e sua administração que a Constituição do Brasil deve ser respeitada e que as tentativas de subverter as regras da democracia são inaceitáveis”, pedem os deputados
“É também crucial dissuadir a liderança militar brasileira de qualquer tentação de apoiar um golpe de Estado”, dizem na carta.
Os deputados ainda sinalizam com eventuais sanções. “A UE deve declarar que usará diferentes alavancas, incluindo o comércio, para defender a democracia e os direitos humanos no Brasil”, afirmam.
O documento repete o mesmo modelo de pressão feita há poucas semanas por congressistas norte-americanos ao presidente Joe Biden. O conteúdo de ambas as cartas é praticamente o mesmo, com alertas sobre as ameaças à democracia que Bolsonaro representa.
“Em antecipação das eleições gerais brasileiras de 2 de outubro de 2022, mais de 50 membros do Parlamento Europeu escreveram uma carta ao Presidente da Comissão Ursula von der Leyen e ao Alto Representante da UE para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, Josep Borrell, instando-os a monitorar as eleições no Brasil e apoiar as instituições democráticas no Brasil”, afirma um comunicado do Parlamento.
“O sistema de votação eletrônica brasileiro, em vigor desde 1996 e considerado seguro e confiável, tem sido alvo de repetidos e infundados ataques do presidente Jair Bolsonaro. O desaparecimento da democracia teria implicações internacionais”, alerta.
Anna Cavazzini, deputada do bloco Verde no Parlamento afirmou que “os ataques às instituições democráticas e as ameaças de não reconhecer o resultado da eleição em caso de derrota do Presidente Bolsonaro são profundamente preocupantes”.
“Pedimos à Comissão Européia e ao Serviço de Ação Externa que acompanhem de perto a situação e apoiem aqueles que defendem a democracia no Brasil e deixem claro que a comunidade internacional estará condenando qualquer atividade golpista”, explicou.
De acordo com a carta, os 50 deputados expressam “profunda preocupação com os ataques sistemáticos às instituições democráticas no Brasil”.
O texto alerta sobre a reunião entre Bolsonaro e embaixadores estrangeiros, no qual o presidente mentiu sobre o sistema eleitoral.
“Em 18 de julho de 2022, em reunião com o corpo diplomático, o Presidente Bolsonaro declarou que “o sistema (eletrônico) é completamente vulnerável”, sem apresentar nenhuma evidência de fraude”, disseram os deputados.
“Esta não foi a primeira vez que ele tentou desacreditar as instituições eleitorais brasileiras. Em junho, ele prometeu publicamente “ir à guerra” se necessário para evitar uma eleição “roubada”. E em 19 de setembro, menos de um mês antes da votação, ele declarou que a eleição seria manipulada se ele não ganhasse com 60% dos votos no primeiro turno”, afirmaram.
“Tememos que ele possa impedir uma transferência pacífica de poder se perder”, alertaram os europeus.
Outro destaque é a violência política no Brasil. “Ameaças, intimidação e violência política, incluindo ameaças de morte contra candidatos, continuam a aumentar on-line e off-line. Desde julho, dois apoiadores do PT foram assassinados por bolsonaristas, e foram feitas ameaças de morte contra o candidato socialista Guilherme Boulos”, apontam.
“Estes atos criam terror entre a população e dissuadem potenciais candidatos de concorrer a cargos. Especialistas da ONU apontam que estas ameaças visam particularmente mulheres, povos indígenas, afro-descendentes e pessoas LGBTI e limitam suas oportunidades de representação nas decisões que as afetam, perpetuando o devastador ciclo de exclusão”, afirmam.
Monitoramento
Na carta, os 50 deputados ainda pedem que a Comissão monitore a situação no país. “No momento, não haverá nenhuma missão de observação eleitoral da UE no Brasil, pois não houve nenhum convite das autoridades brasileiras encarregadas das eleições. No entanto, instamos a delegação da UE no Brasil, bem como a SEAE como um todo, a monitorar a situação de perto e apoiar as instituições brasileiras e as organizações da sociedade civil que defendem a democracia”, completam.
Discussão de pacto com anistia circula na periferia da disputa presidencial
Surgiu nos subterrâneos da sucessão presidencial uma novidade: a discussão embrionária de um pacto nacional a ser celebrado após a eleição. O objetivo seria a pacificação política do país. Interessaria a Lula e Bolsonaro. Incluiria transição amigável de governo e anistia de encrencas do passado. Os ingredientes foram discutidos abaixo da linha d’água em conversa de um oligarca da política com um ministro com assentos no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral.
O autor da ideia é o ex-presidente Michel Temer. Falou em voz alta sobre o assunto num seminário promovido pelos jornais O Globo e Valor Econômico, na semana passada. Na formulação de Temer, quem sair vitorioso das urnas “chama a oposição, os 27 governadores eleitos, os chefes de Poderes e organizações da sociedade civil para trabalhar até a posse.” Sem isso, avalia Temer, a oposição militante infernizaria o próximo governo, seja quem for o eleito.
Na sexta-feira passada, de passagem por Minas Gerais, Lula foi indagado numa entrevista sobre a hipótese de concordar com a anistia de Bolsonaro caso seja eleito. Respondeu o seguinte: “A primeira coisa que eu quero é ganhar as eleições, a segunda coisa é montar o governo e a terceira coisa é começar a governar. Eu não vou tomar posse com espírito de vingança de ninguém.”
A resposta foi vista em Brasília como aceno. Por isso o tema foi levado ao Supremo, onde tramitam inquéritos estrelados por Bolsonaro. A vocação da política brasileira para produzir acordões burlescos é infinita. Mas a construção soa difícil. Pode dar em muita coisa, inclusive em nada.
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