Poder
Publicado em 18/03/2022 12:00 -
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Uma reportagem do Estado de S. Paulo divulgada nesta sexta-feira (18) aponta o funcionamento de uma espécie de gabinete paralelo ao Ministério da Cultura formado por um grupo de pastores ligados ao ministro da pasta, Milton Ribeiro, também pastor. Eles atuam como lobistas, sem ter nenhum vínculo com a administração pública. Eles também não teriam nenhuma ligação com a área da educação.
“Eles formam um gabinete paralelo que facilita o acesso de outras pessoas ao ministro e participam de agendas fechadas onde são discutidas as prioridades da pasta e até o uso dos recursos destinados à educação no Brasil”, afirmou o jornal.
O Estadão identificou que dois pastores em especial apareceram em 22 agendas oficiais do MEC nos últimos 15 meses, a maioria delas com o próprio ministro. São eles os pastores Gilmar Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade.
Em atuação paralela ao Ministério, eles ganham acesso livre ao voos da FAB e ao gabinete do ministro. O principal papel dos pastores é abrir portas para reuniões com prefeitos e empresários e acompanhar o ministro nas viagens. Assumem, assim, um papel importante na agenda política do Ministério.
O próprio ministro da Educação já chegou a falar que não gosta da intermediação de deputados e senadores para o contato com os gestores municipais. “Sem política”, disse em Centro Novo do Maranhão (MA). No mesmo evento, o pastor Gilmar dos Santos afirmou que era o responsável por garantir verbas para prefeituras.
“Estamos fazendo um governo itinerante, principalmente através da Secretaria de Educação, levando aos municípios os recursos, o que o MEC tem, para os municípios”, disse em vídeo divulgado pelo Estadão.
Entre as cidades que tiveram as portas abertas pelos pastores, seja em reuniões com prefeitos no gabinete ou em agenda de viagens, estão Centro Novo do Maranhão (MA), Coração de Maria (BA), Bom Lugar (MA), Vianópolis (GO) e outros prefeitos dos partidos Progressistas, PL e Republicanos.
Para especialistas em Direito Público há indícios de irregularidade, usurpação da função pública, tráfico de influência na ação dos pastores, configurando crime.
Medo e mentira
Segundo a pesquisa PoderData realizada entre os dias 13 e 15 de março, Jair Bolsonaro (PL) tem 46% das intenções de voto dos eleitores evangélicos no primeiro turno. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as intenções de voto no cômputo geral, tem 22% nesse segmento religioso. Entre os católicos, Lula tem 48%, contra 20% do atual presidente. Já a pesquisa Genial/Quaest mostra avaliação do governo conforme a opção religiosa. Para 34% dos evangélicos a gestão Bolsonaro é negativa, enquanto 31% o consideram como regular e 33% o classificam positivamente. Entre os católicos, a visão é diferente: a maioria (53%) vê Bolsonaro de forma negativa, 24% o julgam regular e 22% o aprovam.
Desde o início do ano, Bolsonaro e seu entorno trabalham para reverter a queda de popularidade entre os evangélicos registrada no ano passado. De janeiro a setembro, o Datafolha registrou que a aprovação (ótimo ou bom) do presidente despencou de 40% para 29%. Por isso, o chefe do governo e aliados se movimentam junto a esse eleitorado. Na semana passada (8 de março), Bolsonaro se reuniu com líderes religiosos e prometeu que “dirigirá a nação para o lado que desejarem”. A reunião – em pleno Palácio da Alvorada – teve a presença de mais de 100 convidados.
Campanha para disseminar o medo
Não por acaso, dois dias depois, o deputado federal e líder da bancada evangélica na Câmara, Sóstenes Cavalcante (União Brasil-RJ), disse em entrevista ao portal UOL que “Lula não vai mais enganar o segmento evangélico”. O parlamentar enfatizou que, se o petista teve o apoio dos evangélicos em 2002, “nós vimos a afronta que o governo do PT fez ao segmento evangélico na luta por valores que são totalmente divorciados ao que acreditamos e defendemos”.
A fala do deputado faz parte de um roteiro traçado desde o início do ano, observa a jornalista Magali Cunha, pesquisadora de mídias, religiões e política do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Ela nota que, também não por acaso, essas lideranças vêm fazendo, nas redes sociais e sites, grande esforço de recuperação do apoio perdido.
Magali cita o Coletivo Bereia, que monitora e checa notícias sobre religião. De janeiro para cá, ela observa uma quantidade intensa de campanha política com viés eleitoral. E conteúdos carregados de desinformação sobre a oposição, especialmente Lula, e favoráveis ao governo Bolsonaro.
“Isso tem apelo junto ao público, especialmente os conteúdos que trabalham com imposição de medo. Criam ideias de inimigos da igreja na esquerda, colocando a oposição a Bolsonaro como ameaça à liberdade religiosa”, diz a pesquisadora. “Esse tema tem sido explorado e deve entrar com força para tentar captar cada vez mais apoio a Bolsonaro e rejeição às esquerdas”, acrescenta.
A equipe do ex-presidente Lula afirma ter identificado ampliação de ataques e notícias falsas em sites e redes sociais ligadas a apoiadores de Bolsonaro dirigidas aos evangélicos. “Iniciamos um mutirão de vacinação contra fake news. Esta vacina foi produzida a partir de diversas denúncias que recebemos por meio de nossos grupos de whatsapp e pelo site lula.com.br/verdadenarede”, afirma a página de Lula.
O que se pode usar como antídoto contra as campanhas enganosas, desinformação e mentiras? A pesquisadora acredita que, principalmente a mídia de esquerda ou progressista, deve evitar abordagens que estigmatizem a população evangélica. E, assim, apresentar a ela – assim como a todos os cidadãos – propostas gerais que dizem respeito a suas vidas: segurança pública, escolas, transporte, creches etc.
Pânico sobre erotização
É uma questão de linguagem. “A linguagem é fundamental”, diz Magali. “É preciso desfazer a separação dos evangélicos da sociedade, como se essa população não fosse também formada por pessoas comuns. Não se pode tratar esse grupo como pessoas alienadas e até inimigas das propostas de esquerda, mas abordar propostas que tenham a ver com a vida delas.”
Para Magali, é preciso evitar “entrar na armadilha” de discutir questões ideológicas e disputas de narrativas. “Claro, é importante contrapor o que é mentiroso, falso, enganoso, mas é essencial sair da defensiva e entrar numa postura propositiva, que interesse à vida, ao dia a dia das pessoas”, aconselha.
Um vídeo no YouTube “amplamente disseminado nas redes sociais digitais e em sites e blogs evangélicos em 2018, voltou a circular em espaços digitais religiosos no início deste ano”, diz o Coletivo Bereia, em matéria da semana passada intitulada “Em vídeo que volta a circular, ministra propaga pânico sobre erotização em desenhos animados e universidades”. O vídeo é parte de uma palestra da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.
Nele, a ministra-pastora mostra imagens de desenhos animados clássicos da Disney deturpados e faz um alerta em tom de pânico: “olha o que eles fizeram com os desenhos animados!”. “Acreditem: eles estão armados, articulados. O cão está muito bem articulado e nós estamos alienados”, diz Damares no vídeo.
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