14/10/2024 - Edição 550

Poder

Desvio de milhões em dinheiro público era estratégia golpista de Bolsonaro

Mensagens mostram que ex-presidente acompanhou recompra de Rolex feita por Wassef

Publicado em 09/07/2024 8:43 - Leonardo Sakamoto (UOL), Ayam Fonseca, Igor Mello, Juliana Dal Piva e Karla Gamba (ICL Notícias) - Edição Semana On

Divulgação

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A Polícia Federal afirma, em relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal, que há indícios de que dinheiro proveniente da venda de ouro e diamantes desviados por Bolsonaro do acervo público brasileiro pode ter sido utilizado para custear suas despesas em dólar enquanto estava em solo norte-americano entre dezembro de 2022 e março de 2023.

Isso conectaria duas investigações: a das joias doadas por governos árabes que teriam sido surrupiadas do Jair com a ajuda de 11 aliados (dos quais, nove vestem ou já vestiram farda) e os ataques ao Estado democrático de direito levados a cabo pelo bolsonarismo.

O ex-presidente se escafedeu para as proximidades da Disney, na Flórida, em 30 de dezembro, dois dias antes de passar a faixa presidencial para Lula. Duas hipóteses colocam sua estadia nos Estados Unidos como parte de um plano golpista: ele deixou o país para evitar ser preso pelas movimentações golpistas ocorridas nos meses anteriores ou para construir um álibi aos ataques que vandalizariam as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Se um pedaço dos recursos públicos desviados por ele (a PF calcula que o total ultrapassa R$ 6,8 milhões — a conclusão do relatório informou inicialmente o valor de R$ 25 milhões, depois, a polícia se corrigiu) foram gastos para mantê-lo enquanto estava lá, então um crime ajudou a financiar outro, ou seja, joias bancaram um plano de ataque direto à democracia.

“Os elementos acostados nos autos evidenciaram a atuação de uma associação criminosa voltada para a prática de desvio de presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais, entregues por autoridades estrangeiras, para posteriormente serem vendidos no exterior”, afirma o relatório.

“Identificou-se, ainda, que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores.”

A Polícia Federal aponta que Bolsonaro tinha no momento em que deixou os EUA de volta ao Brasil o mesmo saldo em suas contas que ostentava em 27 de dezembro de 2022. Ou seja, a sua manutenção em dólares veio de outra fonte.

A investigação aponta indícios de que o valor arrecadado com as vendas das joias desviadas do acervo público brasileiro foi entregue a Bolsonaro por meio de lavagem de dinheiro enquanto estava nos EUA.

Por exemplo, em uma troca de mensagens, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, enviou ao seu pai, o general Mauro Lourena Cid, endereços de lojinhas de ouro na Flórida para ele cotar parte das joias desviadas.

O general, amigo de Bolsonaro e seu colega na Academia Militar das Agulhas Negras, morava no Estado norte-americano por ter ganho do ex-presidente a chefia do escritório brasileiro da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em Miami.

Em outra troca de mensagens, de 18 de janeiro do ano passado, Mauro Cid disse a um auxiliar de Jair que seu pai estava com dinheiro para entregar ao presidente. E que o melhor seria evitar contas bancárias.

“Tem 25 mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro levar em ‘cash’ (dinheiro vivo) aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente (…) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (…). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor né? (…)”, disse.

De acordo com o relatório da PF, “a utilização de dinheiro em espécie para pagamento de despesas cotidianas é uma das formas mais usuais para reintegrar o ‘dinheiro sujo’ à economia formal, com aparência lícita”.

A investigação sobre as joias surrupiadas não é a única que pode se conectar àquela que trata dos atos golpistas. O inquérito sobre a fraude nos registros no cartão de vacina do ex-presidente analisa se ele utilizou a falsa informação sobre sua vacinação de covid-19 para entrar e permanecer nos Estados Unidos.

Caso isso se comprove, teremos três inquéritos convergindo para a tentativa de transformar a democracia brasileira em vinagre.

Mensagens mostram que ex-presidente acompanhou recompra de Rolex feita por Wassef

Frederick Wassef foi designado por Bolsonaro para recomprar e levar, de forma oculta, o relógio Rolex que compunha o denominado “kit ouro branco” ao Brasil. De acordo com o relatório da Polícia Federal, a recuperação do Rolex ficou a cargo do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, que viajou aos Estados Unidos para realizar a compra do relógio. Além disso, mensagens trocadas entre Bolsonaro e Wassef mostram que o ex-presidente falou com o advogado e acompanhou os passos dele nos EUA durante o processo de recompra do relógio.

No dia 13 de março de 2023, Bolsonaro enviou mensagens a Frederick Wassef com cópias de imagens que mostravam pesquisas de voos saindo de Miami e de Fort Lauderdale, na Florida, para a Pensilvânia, onde o advogado efetuou a recompra do relógio.

Outra pessoa com quem Wassef se comunicou naqueles dias foi o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Na manhã do dia 14/03/2023, data da recompra do relógio Rolex, Wassef  recebeu uma mensagem às 11h41min do senador dizendo: “Saudade”. O advogado respondeu: “Estou na luta por vcs com lealdade e empenho de sempre”. Cabe ressaltar que Flávio encaminhou uma mensagem de texto anterior, que foi apagada pelo próprio remetente. Nesse dia, Wassef também telefonou para Bolsonaro por áudio no Whatsapp.

Viagem de Wassef acompanhada por Bolsonaro

No dia 11 de março de 2023, Wassef chegou aos EUA. Os registros de viagens internacionais de Wassef, atestam que o advogado fez uma viagem saindo de São Paulo, com destino a Fort Lauderdale, na Flórida. De lá, ele pegaria outro avião com destino a Pensilvânia, estado onde se encontrava o relógio vendido por Bolsonaro.

No dia 14/03/2023 — três dias depois de sua chegada ao EUA –, Wassef embarca num avião com destino a Filadélfia, na Pensilvânia, onde foi feita a recompra do rolex. Ele envia uma mensagem a Cid — “Toquei solo agora” — e anexa uma foto de dentro o avião.

Entrega do Rolex

Além da recompra do rolex, Frederick Wassef também ficou responsável por trazer o relógio de volta ao Brasil, e entrega-lo as mãos de Mauro Cid, que foi a São Paulo no dia 29/3/2023 para acompanhar uma competição de hipismo de suas filhas.

Nesse mesmo dia, Cid encaminha uma reportagem a Marcelo Camara que dizia “TCU determina que Bolsonaro entregue imediatamente terceira caixa de joias e alerta sobre omissão”, que responde dizendo que o relógio já estava em São Paulo.

No dia 2/4/2023, Mauro Cid entra em contato com Wassef mais uma vez passando sua localização, na Sociedade Hípica Paulista, onde foi feito o repasse do relógio.

“Conforme mensagens trocadas entre Mauro Cid, Marcelo Camara e Frederick Wassef, ficou evidente que o relógio chegou em São Paulo no dia 29 de março de 2023, quando Marcelo Camara afirma ‘Material em São Paulo’. Este é o mesmo dia em que Frederick Wassef retorna ao Brasil, vindo dos Estados Unidos. No entanto, Mauro Cid, possivelmente, só ficou com a posse do relógio no dia 02 de abril de 2023, após um encontro na Sociedade Hípica Paulista, com Frederick Wassef. No final do dia 02 abril, Mauro Cid retornou para Brasília, onde foi recebido por Crivelatti de forma semelhante à ocorrida no resgate das joias, dias antes”, conclui o documento.

Osmar Crivelatti e Marcelo Camara

O documento também mostra conversas entre Mauro Cid, Osmar Crivelatti e Marcelo Camara, que orquestraram a recompra do bem. Em uma das mensagens, Cid encaminha aos dois o link do site da Precision Watches, na Pensilvânia. A Precision Watches foi a loja que comprou o rolex do “kit ouro branco”.

O relatório também mostra troca de mensagens entre Cid e Crivelatti a respeito da compra de passagens partindo de Fort Lauderdale com destino a Pensilvânia.


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