10/12/2023 - Edição 525

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Denunciado, Bolsonaro não adere à ação contra Rússia no Tribunal em Haia

Publicado em 04/03/2022 12:00 -

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O governo brasileiro não aderiu a uma ação de 39 países que solicitaram a abertura de investigações formais contra o governo de Vladimir Putin no Tribunal Penal Internacional, em Haia. O grupo denuncia Moscou por crimes de guerra na Ucrânia, o que levou o procurador da corte, Karim Khan, a abrir de forma imediata um inquérito.

O processo foi solicitado pelos governos europeus, além de Canadá, Reino Unido, Austrália, Colômbia e Costa Rica. Mesmo aliados próximos de Jair Bolsonaro, como Hungria e Polônia, assinaram a queixa.

"Estes encaminhamentos permitem ao meu escritório proceder à abertura de uma investigação sobre a situação na Ucrânia a partir de 21 de novembro de 2013, abrangendo assim dentro de seu escopo quaisquer alegações passadas e presentes de crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou genocídio cometidos em qualquer parte do território da Ucrânia por qualquer pessoa", explicou Khan.

"Nosso trabalho na coleta de provas já foi iniciado", destacou. Segundo ele, sua equipe já tinha encontrado uma base razoável para acreditar que crimes dentro da jurisdição da Corte haviam sido cometidos.

Khan, porém, insistiu que o processo será realizado "de forma objetiva e independente, com pleno respeito ao princípio da complementaridade". « Ao fazer isso, continuaremos concentrados em nosso objetivo central: assegurar a responsabilidade pelos crimes que se enquadram na jurisdição da Corte", disse.

Khan ainda fez um apelo para que "todos aqueles envolvidos em hostilidades na Ucrânia para que adiram estritamente às regras aplicáveis do direito humanitário internacional". "Nenhum indivíduo na situação da Ucrânia tem licença para cometer crimes dentro da jurisdição do Tribunal Penal Internacional", declarou.

A coluna apurou que o governo Bolsonaro não acredita que, neste momento, a abertura de um inquérito vá ajudar no processo de silenciar os tanques e que pode inclusive ampliar a tensão internacional.

Diplomatas europeus consideram que existe outro motivo. Em Haia, Bolsonaro é alvo de pelo menos cinco queixas por parte de indígenas, grupos de ativistas, sindicatos e advogados internacionais. Ele é acusado de crimes contra a humanidade e genocídio e, nos últimos anos, debateu o assunto inclusive com Israel, país que também é alvo de investigações em Haia.

Há dois anos, o governo Bolsonaro também tentou eleger uma candidata brasileira para o cargo de juíza no Tribunal. Mas o nome apresentado pelo Planalto teve uma das piores votações e ela não foi eleita.

Na ONU, o Brasil tem adotado uma posição de equilibrio. Se o governo votou a favor de uma resolução nesta quarta-feira criticando a Rússia, o Itamaraty fez questão de tomar a palavra para criticar potências ocidentais e alertar que a paz não será atingida dessa forma.

Após o voto, o embaixador do Brasil na ONU, Ronaldo Costa Filho, disse que a resolução "não vai longe suficiente" e alertou que um cessar fogo é apenas o primeiro passo para atingir a paz. "Para que haja paz sustentável, ele precisa ir além", alertou.

O embaixador ainda lamentou o fato de a resolução trocar o que poderia ser um apoio da ONU por uma atitude de apontar dedos. Segundo ele, os interesses de todos devem ser considerados, numa frase que foi interpretada como uma sinalização do Brasil aos russos.

Há duas semanas, um tom similar foi usado pelo governo brasileiro durante a visita do presidente Jair Bolsonaro para Moscou. O embaixador, repetindo discursos anteriores, voltou a criticar o envio de armas para a Ucrânia e a imposição de sanções. Segundo ele, isso não ajuda para o estabelecimento do diálogo diplomático e ameaça ampliar o conflito.

Costa Filho ainda criticou um trecho do texto que criticava estratégias militares da Rússia, em especial sobre armas nucleares. Fazendo um pedido por uma desescalada militar, ele insistiu que a única solução estará na "mesa de negociações".

Mito e mico

A resolução da Assembleia Geral da ONU que condenou a invasão e o bombardeio da Ucrânia pela Rússia transformou em cinzas o material de campanha reunido por Bolsonaro na sua visita ao Kremlin. A viagem presidencial a Moscou não produziu nenhum acordo comercial. Mas o candidato à reeleição obteve a tão desejada foto ao lado de Vladimir Putin. Quis mostrar ao eleitorado nacional que não estava isolado na seara internacional. Hoje, a foto exibe a imagem do mito apertando a mão de um mico. Putin tornou-se um personagem radioativo.

A Assembleia Geral da ONU é composta por 193 nações. Desse total, 141 países (73%) votaram a favor da resolução que condenou a Rússia, entre eles o Brasil. Outros 34 países (18%) se esconderam atrás da abstenção. Nesse grupo está incluída a China. Além da Rússia, apenas quatro países (2%) votaram contra a resolução. Fecharam com Putin as ditaduras da Bielorrússia, da Síria, da Eritreia e da Coreia do Norte fecharam. Repetindo: na foto da ONU, apenas 2% do mundo posaram ao lado de Putin.

No último domingo, o presidente interrompeu seu ócio no Guarujá para conceder uma entrevista. A certa altura, celebrou o fato de ter sido "o último chefe de Estado" a visitar Putin. "Pelo espaço que deu para mim, somos importantes", comentou, antes de estabelecer uma comparação com Emmanuel Macron. O presidente francês, disse Bolsonaro, "foi recebido sozinho no aeroporto. Para mim teve honras militares. Ele ficou afastado da mesa, apesar de vacinado. Putin ficou sem máscara ao meu lado. Achei uma deferência enorme, carinho mesmo pelos brasileiros".

A ficha de Bolsonaro demora a cair. Mas as imagens que colecionou na Rússia talvez não sirvam nem para a campanha paralela que o filho Carlos Bolsonaro conduz no gueto bolsonarista das redes sociais. A investida do candidato não lhe rendeu os votos que precisa conquistar fora do cercadinho.

Enquanto Bolsonaro despeja novas teorias conspiratórios no WhatsApp, o Itamaraty faz malabarismo para ajustar seus discursos à idiossincrasia do chefe e a ministra Tereza Cristina, da Agricultura, procura fornecedores alternativos para suprir os fertilizantes que o mito não conseguiu obter do mico.


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