Poder
Publicado em 22/03/2019 12:00 -
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A maior parte dos servidores filiados a regimes próprios de Previdência terá que esperar no mínimo até 62 anos de idade (homens) e 57 anos (mulheres) para se aposentar se a proposta de reforma previdenciária do governo (PEC) for aprovada sem modificações.
Esse aumento na idade mínima vale para os servidores em geral (professores do ensino básico, policiais, agentes penitenciários ou socioeducativos, deficientes e quem exerce atividade em condições prejudiciais à saúde têm regras diferentes).
A espera de ao menos mais dois anos ocorre porque funcionários públicos filiados a RPPS precisam cumprir, além de idade mínima, a regra de pontos (soma da idade e do tempo de contribuição) que vão sendo elevados ano a ano. Só os que estiverem muito perto da aposentadoria vão conseguir garantir o benefício aos 61 anos (homens) ou 56 anos de idade (mulheres).
Além disso, homens com menos de 30 anos de contribuição e mulheres com menos de 24 anos de contribuição dificilmente escaparão das novas regras, que exigem 65 anos de idade (homens) e 62 anos (mulheres) e 25 anos de contribuição mínima.
Entenda a transição
Para entender o que são as regras de transição, primeiro é preciso saber que, quando a PEC 6 for aprovada, só não será afetado quem já tiver cumprido os requisitos atuais para se aposentar.
Esses requisitos atuais são muito mais complexos para o setor público, porque dependem da data em que o servidor foi contratado (além das regras específicas para algumas carreiras).
Homens que ingressaram depois de dezembro de 1998 precisam ter no mínimo 60 anos de idade e 35 de contribuição. Para mulheres, é preciso ter ao menos 55 anos de idade e 30 de contribuição (além de um tempo mínimo na carreira e no cargo).
Funcionários que entraram no serviço público até dezembro de 1998 podem usar a regra 85/95, que desconta um ano de idade para cada ano de contribuição que ultrapasse 35 (homens) ou 30 anos de contribuição (mulheres).
Por exemplo, um funcionário de 57 anos com 38 de contribuição soma 95 anos e, portanto, pode se aposentar antes dos 60 de idade.
Também é possível se aposentar por idade, com benefício menor, aos 65 anos (homem) ou 60 anos (mulher), com ao menos 10 anos de serviço público e 5 no cargo.
Quem já tiver cumprido as regras tem direito garantido e pode se aposentar quando quiser —o servidor que opta por continuar trabalhando pode fazer direito ao abono permanência, cujo valor pode equivaler ao da contribuição previdenciária (ou seja, na prática, é como se ele não pagasse mais a contribuição).
Para todos os outros funcionários, se a PEC 6 for aprovada sem mudanças será preciso esperar um pouco mais. O tamanho dessa espera depende da idade e do tempo de contribuição que ele tiver quando a nova lei passar a valer.
É para suavizar esse adiamento da aposentadoria que a reforma propõe regras de transição.
Diferentemente do setor privado, na qual o trabalhador pode escolher uma das regras que lhe seja mais favorável, o servidor precisa cumprir cumulativamente as duas condições: de idade e de pontos.
A idade mínima passa a ser 61 anos para homens e 56 para mulheres e, a partir de 2022, 62 anos para homens e 57 para mulheres.
Também será necessário comprovar 20 anos de serviço público e 5 anos no cargo.
Aperto nos benefícios
Além disso, a transição proposta pelo governo altera as formas de cálculo do benefício.
Hoje, o valor do benefício também depende de quando o servidor ingressou no setor público. Para quem entrou antes de dezembro de 2003, o valor da aposentadoria é igual ao salário do último cargo ocupado (a chamada integralidade) e o reajuste é igual ao concedido aos funcionários da ativa (a chamada paridade).
A regra de transição proposta pela PEC dificulta esse acesso à integralidade e à paridade: para isso, será preciso ter no mínimo 65 anos de idade (homem) ou 62 (mulher).
Funcionários que entraram de 2003 a 2013 têm benefício equivalente à média dos 80% maiores salários de contribuição desde 1994.
Já os contratados a partir de 4 de fevereiro de 2013 também levam em conta a média dos maiores salários, mas têm o benefício limitado ao teto do INSS (R$ 5.839,45 em 2019) nos entes federativos.
Pela PEC 6, a base de cálculo dos benefícios desses funcionários será reduzida: deixará de descontar os 20% menores salários. O benefício será de 60% da média de todos os salários de contribuição desde 1994 para os 20 primeiros anos de contribuição, mais 2% para cada ano adicional, até o limite de 100%.
Os servidores e a reforma
1. Idade mínima maior
Servidores em geral
Hoje:
O que diz a reforma:
Para os professores públicos
Hoje:
As exigências variam de acordo com o ano de contração:
O que diz a reforma:
Transição:
Para policiais, agentes penitenciários e socioeducativos
Hoje:
O que diz a reforma:
2. Não há regra de transição para ter integralidade e paridade
Hoje:
Servidores que entraram no Executivo federal até 31 de dezembro de 2003 podem se aposentar com o último salário (integralidade) e recebem, na aposentadoria, os mesmos reajustes dos servidores da ativa (integralidade)
O que diz a reforma:
3 – Mudança no cálculo do benefício
Hoje:
Valor do benefício depende do ano de ingresso no serviço público
O que diz a reforma:
4 – Aumento da alíquota de contribuição
A contribuição dos servidores públicos vai mudar e será igual à dos trabalhadores da iniciativa privada
Hoje:
O que diz a reforma:
Para estados, municípios e o Distrito Federal:
5 – Contribuição extra quando houver rombo
Hoje:
O que diz a reforma:
6 – Pensão por morte ficará menor
Hoje
Dependentes do servidor que morre recebem 100% do valor do benefício que ele recebia ou a que ele teria direito, limitado ao teto do INSS (R$ 5.839,45 em 2019) + 70% do valor que superar o teto do INSS
Como poderá ficar:
Militares e o resto
Se o projeto de Reforma da Previdência dos militares, apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, não for profundamente alterado, o governo pode dar adeus a suas propostas que dificultam a vida dos trabalhadores mais pobres – como as alterações no acesso ao BPC, o endurecimento da aposentadoria rural, o corte nas pensões para viúvas e órfãos e mesmo o aumento de 15 para 20 anos de carência para o regime geral.
Ao proteger uma categoria de trabalhadores que não apenas ocupa oito dos 22 ministérios como detém larga influência sobre a Presidência da República, o governo Bolsonaro perde o argumento de que todos devem dar sua cota de sacrifício em nome do ajuste fiscal e de que sua administração não aceitaria pressões de parte alguma sobre esse tema. Pelo contrário, mostrou mais uma vez que com ele é assim: quem tem o porrete maior, leva o que quer – de Donald Trump às Forças Armadas.
De acordo com o projeto, o governo deve poupar R$ 97,3 bilhões, nos próximos dez anos, com as novas regras para os militares. Mas como contrapartida para que aceitassem as mudanças, uma reestruturação em suas carreiras foi embutida no pacote e custará R$ 86,85 bilhões no mesmo período. Ou seja, a economia real será de apenas R$ 10,46 bilhões, bem menos do que o inicialmente previsto.
Pela proposta, as alíquotas cobradas dos militares para a Previdência devem aumentar e o tempo mínimo de atividade passará de 30 para 35 anos. A idade mínima, que hoje vai de 44 a 66 anos, iria de 50 a 70, dependendo da patente. Por outro lado, eles receberiam, na ativa, um adicional de disponibilidade permanente, de 5% a 32% do soldo. As maiores patentes ficariam com os percentuais maiores. Meritocracia, dizem.
Enquanto isso, grupos sociais mais vulneráveis, armados apenas com pá e enxada, que deveriam ser os primeiros a entrarem nos botes salva-vidas e a ganharam coletes quando o navio faz água, vão receber uma pancada com a mudanças nas regras da assistência social e das aposentadorias que, proporcionalmente, será muito mais sentida do que qualquer outra categoria.
As medidas sobre o BPC e os trabalhadores rurais, antes, tinham um perfil de "bode na sala" para ser retirado durante a negociação. Com esse novo pacote, o bode morreu.
O governo Bolsonaro propôs que a idade mínima para que idosos em condição de miserabilidade possam pleitear o salário mínimo mensal do Benefício de Prestação Continuada (BPC) passe de 65 para 70 anos. Em contrapartida, quer desembolsar uma fração desse total – R$ 400,00 – dos 60 aos 69 anos. O problema é que é mais fácil a um trabalhador pobre conseguir bicos e suportar um serviço dos 60 aos 65, para complementar um benefício de R$ 400,00, do que dos 65 aos 70, abrindo mão de um salário mínimo integral.
Quanto aos trabalhadores rurais, a Reforma da Previdência demanda uma contribuição anual mínima de R$ 600,00 por família durante 20 anos, ao invés de apenas comprovar o trabalho no campo por 15 anos, como é hoje. Não leva em consideração que há safras que nem se pagam, fazendo com que a sobrevivência dependa do Bolsa Família. Também eleva de 15 a 20 anos a contribuição mínima de assalariados rurais, que deve ser feita mensalmente.
Se já era difícil completar os 180 meses antes, vai se tornar quase impossível para um grande naco desse pessoal se aposentar com 240 meses de contribuição. Primeiro, pela informalidade. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) sobre números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua do IBGE, de 2016, mostram que cerca de 56% dos 3,4 milhões de empregados rurais trabalhavam sem carteira assinada.
Em outras palavras: 15 anos de contribuição podem ser alcançados com 30 de trabalho, caso ele, na média, esteja formalmente contratado durante metade do ano. Ou 40 anos, se a proposta de Bolsonaro for aprovada. O mesmo drama dos 240 meses de contribuição anos vive os trabalhadores pobres urbanos. Para eles, duas décadas significará três, quatro ou cinco, na prática. O tempo que for até chegar ao BPC, pois irá contribuir com o sistema, mas não conseguirá atingir a carência.
O governo pode fazer a egípcia, fingir que nada aconteceu, manter a porrada nos miseráveis e o cafuné nos militares e jogar a bomba para os deputados e senadores. A conta da contradição lançada nesta quarta vai cair prioritariamente no colo do Congresso Nacional, que terá que lidar com outras categorias de servidores públicos que devem demandar querer o mesmo tratamento.
O governo talvez imagine que, com a cessão de cargos e emendas, o negócio ande. E que o mercado e parte da mídia também vão pressionar pela aprovação na hora certa. Esquece que todo esse bafafá já está rolando antes que sociedade civil e sindicatos entrem no jogo. A Reforma, como um todo, não subiu no telhado. Mas parece que o Palácio do Planalto se esforça nesse sentido.
O governo Bolsonaro continua sendo a maior oposição a ele mesmo. E nem chegamos na Páscoa ainda.
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