02/11/2024 - Edição 550

Poder

Com o fim da eleição, PGR deve denunciar Bolsonaro ao STF

Fracasso do bolsonarismo no 2º turno e eleição na Câmara esfriam anistia a golpe

Publicado em 29/10/2024 9:17 - Josias de Souza e Leonardo Sakamoto (UOL), Leandro Becker (Intercept_Brasil) – Edição Semana On

Divulgação

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O término das eleições municipais eliminou o pretexto do procurador-geral da República, Paulo Gonet, para manter na gaveta os indiciamentos da Polícia Federal contra Bolsonaro.

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O chefe do Ministério Público Federal retardou o envio de denúncias contra Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal sob a alegação de que não desejava conturbar o processo eleitoral. A abertura das urnas tornou a desculpa gasta.

Repousam sob a mesa de Gonet, indiciamentos da PF no caso das joias e no episódio da falsificação de cartões de vacina. A protelação deixa a atual gestão da PGR com um aroma de Augusto Aras.

A diferença é que o antigo procurador-geral, sem vocação para procurar, simplesmente engavetava qualquer achado contra Bolsonaro. Gonet submete a gaveta a uma esdrúxula avaliação de ponderabilidade política.

O fator político não tem amparo na Constituição. Não cabe à PGR senão denunciar ou arquivar. Num instante em que o Congresso discute anistia de Bolsonaro por crimes ainda pendentes de sentença, o eventual arquivamento desafiaria a lógica e o devido processo legal.

O inquérito sobre a participação de Bolsonaro e seus cúmplices na tentativa de golpe de Estado permanece inconcluso. Malograram os planos da Polícia Federal de encerrar as investigações no primeiro semestre. A conclusão foi empurrada para uma data qualquer antes do final do ano.

Numa entrevista concedida ao Valor Econômico em 30 de setembro, a uma semana do primeiro turno das eleições municipais, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, declarou que deseja deixar como legado de sua gestão a “total recivilizaçao” do Brasil. Algo que depende, segundo ele, da conclusão dos julgamentos das ações sobre o 8 de janeiro.

“A expectativa”, disse Barroso, “é que, depois das eleições, o procurador-geral da República já tenha condições de definir o que ele quer arquivar e o que ele quer denunciar. Realçou que o 8 de janeiro se desdobrou em “muitos inquéritos”. Envolvem “financiadores”, “executores” e “mentores”.

Instado a fornecer uma previsão, Barroso disse trabalhar com “a firme expectativa de que esses inquéritos” serão concluídos “bem antes do término da minha presidência.” A Presidência de Barroso termina em setembro de 2025. O ministro fez uma ressalva: “Vai depender do Ministério Público”.

Por ora, a única punição que o Judiciário impôs a Bolsonaro foi a declaração de sua inelegibilidade por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral. Foi motivada pela célebre reunião com embaixadores e pelo uso político da celebração do Bicentenário da Independência. Saiu barato. E o bolsonarismo trama reverter no Congresso também o banimento do capitão das urnas até 2030.

A impunidade de Bolsonaro e dos integrantes civis e militares do alto-comando do golpe contrasta com as punições draconianas impostas aos peixes pequenos do 8 de janeiro. Muitos foram sentenciados a 17 anos de cadeia.

A “total recivilização” do país, desejo de Barroso, passa pelo enquadramente de Bolsonaro e dos cúmplices paisanos e fardados nos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e associação criminosa. A delinquência submete os investigados a penas de 28 anos de cadeia.

Numa evidência de que a sociedade está vários passos à frente da PGR e do Supremo, o refresco servido a Bolsonaro durante as eleições resultou em fiasco político. O “mito” revelou-se um cabo eleitoral mequetrefe.

No primeiro turno, Bolsonaro amargou uma derrota no Rio de Janeiro, reduto eleitoral do bolsonarismo. Fugiu dos palanques em São Paulo, transformando em limão a limonada da reeleição de Ricardo Nunes, consumada no segundo round.

Sob influência do capitão, vários bolsonaristas chegaram à fase final da disputa municipal. A grossa maioria foi, porém, derrotada. Os preferidos de Bolsonaro foram barrados nas urnas de Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Palmas, Fortaleza, João Pessoa, Manaus, Belém e Porto Velho.

A postergação das denúncias e das sentenças de Bolsonaro e dos demais mentores do golpe borrifa na atmosfera uma interrogação incômoda: Até onde a PGR e o Supremo permitirão que o melado escorra? Não está em jogo apenas o futuro de Bolsonaro, No limite, as futuras decisões dirão que tipo de instituições o Ministério Público Federal e o Supremo desejam ser.

Vexame de Bolsonaro no 2º turno e eleição na Câmara esfriam anistia a golpe

Com receio de perder votos governistas para o seu candidato à Presidência da Câmara de Deputados, o presidente Arthur Lira (PP-AL) pôs um freio no trâmite da proposta que anistia golpistas do 8 de janeiro de 2023, projeto que pode beneficiar o próprio Bolsonaro. Mas não é só isso. Com a derrota de Jair no segundo turno nas capitais, por que partidos políticos vão se arriscar a defender alguém que nem consegue ser um bom cabo eleitoral?

Com o PT como fiel da balança entre os candidatos à sua sucessão, Lira retirou a proposta da Comissão de Constituição e Justiça, que seria votada hoje, e voltou à estaca zero com a criação de uma comissão especial, como informa Victoria Azevedo, da Folha de S.Paulo. Ganha tempo, evitando bater de frente com um lado e outro.

Mas se o ex-presidente tivesse sido o grande vencedor no segundo turno das eleições, neste momento, mais parlamentares estariam atuando de forma a garantir que ele não seja processado, condenado e preso por atentar contra a democracia e, principalmente, sua inelegibilidade, declarada pelo TSE, pudesse ser derrubada. Não por seus olhos azuis, mas sua capacidade de eleger aliados.

Ele, contudo, foi o grande derrotado do domingo nas capitais brasileiras. Dos candidatos que abraçam o autointitulado mito, apenas o fanfarrão Abilio Brunini venceu em Cuiabá. Perdeu em Belém, com Éder Mauro, em Curitiba, com Cristina Graeml, em João Pessoa, com o Marcelo Queiroga, em Manaus, com o Capitão Alberto, em Palmas, com Janad Valcari, em Porto Velho, com Mariana Carvalho, em Goiânia, com Fred Rodrigues, em Fortaleza, com André Fernandes, em Belo Horizonte, com Bruno Engler.

Emília Correa (PL) venceu em Aracaju, mas apesar de alinhada às características do bolsonarismo, não grudou em Jair na campanha. Já a vitória de Ricardo Nunes, em São Paulo, não entra na conta de Bolsonaro. Quem discorda, basta perguntar para o próprio prefeito reeleito o que ele acha da lealdade do ex-presidente.

O centrão, após vencer a esquerda no primeiro turno, ganhou do bolsonarismo no segundo. Isso mostra não apenas a força das emendas parlamentares encaminhadas pelo Congresso Nacional às suas bases, mas também coloca em xeque Bolsonaro como o grande cabo eleitoral da direita. Já Lula tem a máquina e a lâmina da Justiça não pesa contra ele.

Com Jair inelegível por oito anos, nomes da direita questionam a sua hegemonia. Bateu de frente com os presidenciáveis Ronaldo Caiado e Ratinho Júnior e perdeu, viu Tarcísio de Freitas ascender e ele submergir em São Paulo, botou o rabo entre as pernas diante de um Pablo Marçal que mostrou que o rebanho da extrema direita pode se encantar por outro berrante (sendo apoiado por deputados bolsonaristas, inclusive) e é questionado até dentro do PL.

Na política, importa a perspectiva futura de poder. O que Bolsonaro tem cada vez menos.

2 em cada 3 candidatos apoiados por bolsonaro foram derrotados nas eleições

Jair Bolsonaro fraquejou nas urnas nas eleições municipais de 2024. Levantamento feito pelo Intercept Brasil mostra que dois em cada três candidatos a prefeito apoiados pelo ex-presidente perderam. Nas capitais, 10 em 13 pupilos saíram derrotados.

O mapeamento analisou os posts feitos pelo ex-presidente nas redes sociais e analisou os resultados eleitorais nas cidades onde Bolsonaro declarou apoio público ou visitou ao longo da campanha para apoiar um candidato.

Ao todo, 68 municípios foram mencionados em publicações no feed do perfil de Bolsonaro no Instagram desde 16 de agosto. Em 24 deles, o representante do PL na eleição ou o candidato apoiado pelo ex-presidente venceu (35,3%). Nos outros 44, foi derrotado (64,7%).

Bolsonaro citou nominalmente 32 candidatos. Destes, só nove se elegeram (28,1%), nenhum em uma capital. Além disso, dois desses prefeitos eleitos tinham o PL em sua coligação, mas não são do partido. Dos 23 derrotados, 8 disputaram a prefeitura em capitais localizadas em quatro regiões do país — Belo Horizonte, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Manaus, Palmas, Rio de Janeiro e São Luís.

Apesar dos números desfavoráveis para Bolsonaro, vale destacar que os partidos de direita e extrema direita saíram fortalecidos e ganharam terreno em quatro das cinco regiões do país, com vitórias em estados estratégicos para os planos de Tarcísio Freitas, Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer para 2026.

Enquanto isso, os partidos de esquerda perderam força no Norte, no Sul e no Centro-Oeste. No Sudeste, o avanço foi tímido: 7,5%. Já no Nordeste houve um crescimento de 38,2% em relação a 2020. Já o centrão foi o grande vencedor das eleições municipais e vai comandar seis em cada 10 cidades brasileiras a partir de 2025.

Derrota nas capitais

Bolsonaro visitou ou apoiou candidatos em 13 capitais e viu seus pupilos perderem em 10. Além dos oito municípios já citados, houve derrotas em Belém, no Pará, e Vitória, no Espírito Santo.

É importante ressaltar que o fracasso de Bolsonaro não significa um enfraquecimento da direita. Em sete destas capitais, um candidato de centro-direita saiu vitorioso — como em Goiânia, onde Sandro Mabel, do União Brasil, superou Fred Rodrigues, do PL.

Já em João Pessoa, na Paraíba, houve um duelo de direita em que Cícero Lucena, do PP, bateu o ex-ministro da saúde do governo Bolsonaro, Marcelo Queiroga, do PL.

Nas três capitais onde seu candidato saiu vencedor, Jair Bolsonaro se envolveu e foi mais decisivo somente na eleição de Abílio, do PL, em Cuiabá. Mesmo não tendo feito postagens mencionando diretamente o candidato em seu Instagram, o ex-presidente visitou a capital do Mato Grosso e fez questão de reforçar a sua preferência.

Já em Aracaju, Sergipe, a prefeita eleita Emília Corrêa até é do PL, mas minimizou o peso de Bolsonaro na vitória. Apesar de dizer que o apoio dele em um vídeo gravado foi “importante” para mobilizar parte da direita, ela ressaltou, em entrevista à CNN Brasil, que a campanha não foi marcada pela polarização política.

O terceiro triunfo foi em São Paulo, com Ricardo Nunes, do MDB. Vale pontuar, entretanto, que, em que pese ter indicado o vice coronel Mello Araújo, Bolsonaro não fez post algum em seu perfil no Instagram declarando apoio ao prefeito. Não à toa, Nunes atribuiu sua vitória apenas ao governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, do Republicanos.

Considerando apenas o segundo turno, Jair Bolsonaro declarou apoio direto a oito candidatos nas redes sociais e postou visitas em 10 cidades. Dos citados nominalmente, só um venceu: Marcio Correa, do PL, em Anápolis, GO. Abílio, mesmo não mencionado diretamente nas redes sociais, saiu vitorioso em Cuiabá.

Os demais concorrentes, todos do PL, acabaram derrotados em Aparecida de Goiânia (Professor Alcides), Belo Horizonte (Bruno Engler), Goiânia (Fred Rodrigues), João Pessoa (Marcelo Queiroga), Manaus (Capitão Alberto), Palmas (Janad Valcari), Santarém (JK do Povão) e Santos (Rosana Valle).


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