14/09/2024 - Edição 550

Poder

Chegou a hora de tributar os super-ricos

Assinada por Lula, medida terá que passar pelas barricadas dos endinheirados no Congresso Nacional

Publicado em 29/08/2023 10:29 - Josias de Souza e Leonardo Sakamoto (UOL), Wellton Máximo (Agência Brasil) - Edição Semana On

Divulgação Valter Campanato - Abr

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Na quinta-feira, o Planalto envia ao Congresso a proposta de Orçamento para 2024. Prevê déficit zero. Para que a meta seja atendida, a Fazenda precisa produzir aumento de arrecadação de R$ 130 bilhões a R$ 150 bilhões. Testando os limites da oligarquia empresarial e política, o governo editou uma medida provisória para tributar fundos de investimento dos super-ricos no Brasil e um projeto de lei para taxar fortunas abrigadas em offshores, eufemismo para o esconderijo de milionários em paraísos fiscais.

Aprovadas, as duas propostas renderiam R$ 20 bilhões ao Fisco em 2024. É só uma ínfima parte do que a Fazenda precisa. As providências são justas e necessárias. Pobres e remediados são mordidos pela inflação e pelo Imposto de Renda retido na fonte. A Receita Federal come cotas dos fundos de investimento da classe média. Num cenário assim, os super-ricos subtributados constituem um superescárnio. Mas a aprovação não será simples. O governo Temer tentou cobrar imposto dos fundos exclusivos de milionários. A gestão Bolsonaro encenou a taxação das offshores. Tudo deu em nada.

Até aqui, Brasília brincava de amarelinha, aquele jogo infantil que consiste em pular numa perna só as casas numeradas de um a dez no chão, sendo que o último quadrado é o “céu”. Para Lula, o céu era a substituição do teto de gastos por uma nova regra fiscal que devolvesse ao governo alguma capacidade de investir. O céu do centrão eram os cargos e as emendas. O jogo mudou. Aprovado o novo marco fiscal, chegou a hora de elevar a arrecadação tributária do governo, começando pela taxação dos super-ricos. Já começou o esconde-esconde.

Entenda propostas de mudanças na tributação para super-ricos

Com previsão de arrecadar até R$ 54 bilhões até 2026, a taxação dos investimentos da parcela mais rica da população depende de votação no Congresso Nacional. Caberá aos parlamentares aprovar a medida provisória que tributa os fundos exclusivos e o capital aplicado em offshores (empresas no exterior).

O governo precisa reforçar o caixa para compensar o aumento do limite de isenção da tabela do Imposto de Renda, sancionada na segunda-feira (28) pelo presidente Lula. O dinheiro também é importante para cumprir a meta de zerar o déficit primário em 2024, conforme estipulado pelo novo arcabouço fiscal, aprovado na última semana pelo Congresso.

Com a resistência de parlamentares à tributação das offshores, o governo decidiu transferir o tema para um projeto de lei e passar a tributar os fundos exclusivos, instrumentos personalizados de investimentos, com um único cotista, que exigem pelo menos R$ 10 milhões de entrada e taxa de manutenção de R$ 150 mil por ano. Atualmente, apenas 2,5 mil brasileiros aplicam nesses fundos, que acumulam patrimônio de R$ 756,8 bilhões e respondem por 12,3% da indústria de fundos no país.

Atualmente, os fundos exclusivos pagam Imposto de Renda (IR), mas apenas no momento do resgate e com tabela regressiva, quanto mais tempo de aplicação, menor o imposto. O governo quer igualar os fundos exclusivos aos demais fundos de investimento, com cobrança semestral de IR conhecida como come-cotas. Além disso, quem antecipar o pagamento do imposto pagará alíquotas mais baixas.

Em relação à taxação das offshores, que inicialmente estava em medida provisória mas foi transferida para um projeto de lei, o governo quer instituir a tributação de trusts, instrumentos pelos quais os investidores entregam os bens para terceiros administrarem. Atualmente, os recursos no exterior são tributados apenas e se o capital retorna ao Brasil. O governo estima em pouco mais de R$ 1 trilhão (pouco mais de US$ 200 bilhões) o valor aplicado por pessoas físicas no exterior.

Confira as propostas do governo

Fundos exclusivos

– Instrumento: medida provisória;

– Como é: tributação apenas no momento do resgate do investimento;

– Tributação: alíquota de 15% a 22,5% de Imposto de Renda sobre os rendimentos uma vez a cada semestre, por meio do mecanismo chamado “come-cotas”, a partir do ano que vem. Fundos com maiores prazos de aplicação têm alíquotas mais baixas por causa da tabela regressiva de Imposto de Renda;

– Atualização antecipada: quem optar por começar a pagar o come-cotas em 2023 pagará 10% sobre o estoque dos rendimentos, passando a pagar de 15% a 22,5% nos anos seguintes. Quem não optar, pagará só em 2024, mas com as alíquotas mais altas;

– Previsão de arrecadação: R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026, divididos da seguinte forma:

. R$ 3,21 em 2023;

. R$ 13,28 bilhões em 2024;

. R$ 3,51 bilhões em 2025;

. R$ 3,86 bilhões em 2026.

Offshore e trusts

– Instrumento: projeto de lei;

– Como é: recursos investidos em offshores, empresas no exterior que abrigam fundos de investimentos, só pagam 15% de Imposto de Renda sobre ganho de capital se voltarem ao Brasil;

– Tributação: cobrança anual de rendimentos a partir de 2024, com alíquotas progressivas de 0% a 22,5%. Ainda não está claro se alíquotas variarão conforme o prazo ou o valor aplicado.

– Forma de cobrança: tributação dos trusts, relação jurídica em que dono do patrimônio transfere bens para terceiros administrarem.

– Como funcionam os trusts: atualmente, legislação brasileira não trata dessa modalidade de investimento, usada para reduzir o pagamento de tributos por meio de elisão fiscal (brechas na legislação) e facilitar distribuição de heranças em vida;

– Atualização antecipada: alíquota de 10% sobre ganhos de capital para quem atualizar o valor de bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023. Quem não fizer o procedimento pagará 15%.

– Previsão de arrecadação: R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026, divididos da seguinte forma:

. R$ 7,05 bilhões em 2024;

. R$ 6,75 bilhões em 2025;

. R$ 7,13 bilhões em 2026.

Importante

Tributar os super-ricos pode arrecadar cerca de R$ 292 bilhões anuais para serem usados contra a crise. É o que defendem a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), o Instituto Justiça Fiscal (IJF), entre outras instituições.

Detalhe: Super-rico não é você que vai para a Disney de vez em quando e abraça o Pateta.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *