Poder

Bolsonaro sumiu, mas deixou golpistas no piloto automático

Bloqueio de grana bolsonarista é tiro de aviso do STF para secar golpismo

Publicado em 20/11/2022 10:25 - Íris Costa (Congresso em Foco), Leonardo Sakamoto (UOL), Eugênio Bucci (RBA) – Edição Semana On

Divulgação Reprodução CNN

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O ex-deputado Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Liberal (PL), legenda da qual faz parte o presidente da República, Jair Bolsonaro, retornou à querela quanto à confiabilidade das urnas eletrônicas. Embora afirme que não é intenção do partido questionar a eleição, Valdemar disse, em vídeo, que até terça-feira (22), irá apresentar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um questionamento a respeito das urnas mais antigas utilizadas nestas eleições. Segundo Valdemar, todas as urnas fabricadas antes de 2020 teriam o mesmo número de patrimônio, o que impediria uma verificação urna por urna do seu funcionamento. Valdemar quer que todas essas urnas sejam desconsideradas do resultado final. “Estão todas com o mesmo número. Então nós estamos entrando com esse documento. Já temos a prova e nós vamos mostrar que essas urnas não podem ser consideradas”, disse ele.

Costa Neto alegou ainda que as urnas não poderiam ter passado por checagem antes das eleições, pois os equipamentos possuem as mesmas numerações de tombamento. “Acredito que sejam umas 250 mil urnas. Todas as urnas antes do ano 2020 têm o mesmo número de patrimônio. Não tem como você controla as urnas”.

O presidente da legenda disse que o documento deve ser apresentado à Corte na próxima terça-feira (22), mas reforçou que o partido não pretende propor novas eleições. “Agora vamos ver o que o TSE vai resolver. Não queremos propor nova eleição, mas tem que decidir”.

O vídeo com as declarações de Valdemar Costa Neto está circulando nas redes sociais, no sábado (20), e está sendo compartilhando amplamente por políticos e apoiadores bolsonaristas.

Idas e vindas do PL

Desde o resultado da eleição, o PL parece avançar e recusar quanto ao questionamento do sistema eletrônico de votação. Há alguns dias, chegou a circular um suposto relatório feito pelo Instituto Voto Legal que dizia que o partido iria questionar o resultado da eleição. Em seguida, o partido negou a autoria do documento, afirmando se tratar de uma versão “obsoleta”.

O documento questionava exatamente o funcionamento das urnas mais antigas, questionando os modelos fabricados entre 2009 e 2015.

No próprio vídeo que circula, percebe-se como o tema não parece deixar Valdemar Costa Neto muito à vontade. “Eu tinha tranquilidade, porque eu disputo eleição desde 1990, e as urnas estão aí desde 1994. Nunca tive preocupação com isso. Mas o presidente Bolsonaro insistia”, diz Valdemar.

O problema na contestação do resultado da eleição é, que, por ser uma eleição geral, na qual se vota não apenas para presidente, mas para governador, senador e deputados federal e estadual, qualquer questionamento afeta os resultados também dos eleitos para esses outros cargos. E o PL é o partido que terá o maior número de cadeiras tanto para a Câmara dos Deputados quanto para o Senado.

Além da querela, todos atestaram

Todos os organismos internacionais e nacionais que acompanharam as eleições de 2022 atestaram que o sistema é seguro. Foram mais de 120 observadores internacionais. Órgãos como a Organização dos Estados Americanos (OEA); a União Interamericana de Organismos Eleitorais (Uniore); a Rede dos Órgãos Jurisdicionais e de Administração Eleitoral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Rojae-CPLP); o Parlamento do Mercosul (Parlasul);  o Institute for Democracy and Electoral Assistance (Idea Internacional); o Carter Center; a Rede Mundial de Justiça Eleitoral (RMJE); a International Foundation for Electoral Systems (Ifes), e a Transparencia Electoral América Latina.

Instituições nacionais que acompanharam as eleições também atestaram o resultado. Entre elas: Associação Juízes para a Democracia (AJD); Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep); Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE); Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); Transparência Eleitoral Brasil; Tribunal de Contas da União (TCU), e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Bolsonaro sumiu, mas deixou desmatadores e golpistas no piloto automático

Desde que perdeu a eleição para Lula, Bolsonaro está desaparecido, talvez picotando documentos, apagando HDs, renovando o passaporte ou analisando formas de não responder pelos crimes que cometeu quando deixar o poder. Isso passa a impressão de que o petista já está governando em seu lugar, o que é um grande equívoco. Desmatadores e golpistas continuam tocando o projeto bolsonarista em meio ao silêncio presidencial e aos meses de transição.

Tudo o que Lula falou na COP27, no Egito, sobre Amazônia, meio ambiente e prioridade para mudanças climáticas, vai valer apenas a partir de 2023. Por enquanto, grileiros, madeireiros, garimpeiros e fazendeiros criminosos, aliados do presidente, aproveitam os meses que restam de fiscalização frouxa e inexistência de cobrança de multas para destruir o presente e o futuro.

Indicador disso é que, após o pior mês de setembro da série histórica que começou em 2015, os alertas de desmatamento tiveram o pior outubro, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – aquela instituição que Bolsonaro espancou publicamente por divulgar, veja só, fatos.

Jair atua em duas frentes desde 2018: a) excita seus seguidores para defendê-lo e b) desconstrói o país que emergiu da Constituição Federal de 1988 deixando de fiscalizar o cumprimento da lei ou alterando-a.

Desde o início de seu mandato, Jair Bolsonaro enfraqueceu instituições de fiscalização, como o Ibama, o ICMBio, a Funai e o Incra, mas também a Receita Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Coaf, setores da Polícia Federal. Com isso, criou problemas para verificar o cumprimento das leis de proteção aos direitos sociais, culturais, econômicos, ambientais. Passou a vigorar a lei do mais forte, ou melhor, do mais armado.

Caso exemplar dessa política bolsonarista em que o certo se torna errado e o errado vira o certo foi a punição a Alexandre Saraiva, delegado da Polícia Federal responsável pela maior apreensão de toras de madeira da história. Após encaminhar uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal contra o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por ele ter dificultado o trabalho da fiscalização e defendido interesse dos criminosos, Saraiva foi transferido da Amazônia para o interior do Rio.

E tendo dado corda ao longo de quatro anos na extrema direita, agora ela anda e fala sozinha – pedindo golpe de Estado na porta de quartéis, perseguindo jornalistas, professores e ministros do Supremo, destilando violência gratuita nas ruas.

Levado a viver em uma realidade paralela, em que vacinas contra covid-19 matam ou injetam chips 5G programados por chineses e por bilionários pedófilos para dominar o mundo e na qual urnas eletrônicas foram manipuladas para dar a vitória a Lula através de algoritmos chancelados em uma reunião em uma pizzaria de Nova York com Alexandre de Moraes, Mark Zuckerberg, António Guterres e Tony Stark, muitos não precisam mais da orientação do “mito”. Vão à luta, encarando o autoritarismo que pregam como liberdade.

O Brasil está sim no piloto automático, mas avançando em direção ao abismo. E a permissão para que seguidores e aliados criminosos do presidente aproveitem os últimos meses do governo para fazerem o que desejarem vai atrasar, e muito, a reconstrução do país nos próximos anos.

Bloqueio de grana bolsonarista é tiro de aviso do STF para secar golpismo

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de bloquear contas bancárias de 43 pessoas e empresas suspeitas de financiar atos golpistas é tardia, mas acertada. Tal como o pedido do Ministério Público Federal para afastar o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal que usou a corporação no esforço golpista de eleger Bolsonaro.

Os bloqueios pipocaram em todo o país já na noite do dia 30 de outubro, quando o Tribunal Superior Eleitoral anunciou o vencedor. Foram dias de golpismo que impediram o transporte de alimentos, remédios e oxigênio hospitalar e levaram até à perda de um coração que seria transplantado. Agora, bolsonaristas se concentram em frente a quartéis e continuam ameaçando a democracia e atrapalhando a vida dos brasileiros.

Houve algumas prisões de “manés”, mas nada com capacidade de surtir efeito como este bloqueio bancário. Afinal de contas, o bolso é a parte do corpo que mais dói nesse pessoal.

Tomada às vésperas de mais protestos golpistas no feriado de 15 de novembro, a decisão deve ser entendida como um alerta, um tiro de aviso aos empresários que continuam agindo de forma criminosa a fim de que interrompam o fluxo de recursos usados para manter esses protestos. Pelo menos, será assim compreendida entre aqueles que não rasgam dinheiro, nem cantam hino para pneus, muito menos grudam-se em para-brisas de caminhões.

Até porque a lista dos 43 não abraça todos os que já contribuíram para o caos. Por exemplo, um documento da Polícia Rodoviária Federal ao qual a Agência Pública teve acesso aponta que caminhões a serviço da Havan, de Luciano Hang, foram enviados para os bloqueios. Nem a empresa, nem o empresário bolsonarista aparecem na relação de Moraes. Ainda.

Às vezes precisamos repetir o óbvio para evitar que o absurdo seja normalizado: atos que trancam estradas e acampam em portas de quartéis pedindo que os militares ocupem as ruas, prendam o vencedor da eleição e eternizem o “mito” no poder não representam liberdade de expressão, mas um crime, um ataque direto ao Estado democrático de direito.

Não importa que boa parte dos golpistas sejam pessoas que abraçaram uma realidade paralela vendida pelo WhatsApp e o Telegram, somado ao seu ódio de classe ou seus interesses econômicos. Quem defende um golpe militar não deve ser tratado como hipossuficiente, mas como cúmplice de crime.

Repetindo declarações dadas por Jair Bolsonaro nos últimos quatro anos, golpistas afirmam que ações como a de Moraes representam uma censura ao direito fundamental da livre expressão do pensamento. Ou seja, consideram que por estarem em uma democracia podem ter a liberdade de ferir de morte a própria democracia.

Basicamente apelam para o “paradoxo da tolerância”. Se uma sociedade tolerante aceita a intolerância como parte da liberdade de expressão ela pode vir a ser destruída pelos intolerantes. Como analisou o filósofo Karl Popper, a liberdade irrestrita leva ao fim da liberdade da mesma forma que a tolerância irrestrita pode levar ao fim da tolerância.

As instituições da República, que não funcionaram corretamente ao ponto de punir um presidente da República que atentou contra a democracia ao longo de seu mandato, agora precisam garantir que a liberdade não seja usada para minar ela mesmo sob o risco de cairmos na tirania. Isso inclui bloquear contas e mandar para a cadeia quem banca o golpismo.

Em tempo: reportagem de Marcos Sergio Silva, no UOL, que relatou o que acontece dentro de grupos que arrecadavam doações para atos golpistas, mostrou que parte dos recursos seriam gastos na compra de pão com mortadela. Faz sentido. Golpistas que se veem como lutadores pela liberdade apreciam, na surdina, a mesma iguaria através da qual esnobaram petistas por quatro anos.

Os golpistas que sequestraram e estiolaram as cores nacionais ainda vão dar muito trabalho

No feriado de 15 de novembro, data da Proclamação da República, subiu um pouco o número de pedestres que se concentram em frente a quartéis de algumas cidades brasileiras para requisitar um golpe de Estado. Tem sido assim desde que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proclamou o resultado das urnas, dando a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva. A turma que não se conforma exige que as baionetas anulem a eleição. Uma das faixas desfraldadas em São Paulo, diante da sede do Comando Militar do Sudeste, ao lado da Assembleia Legislativa, resumiu bem o espírito do pessoal: “Nação brasileira implora por socorro – SOS Forças Armadas”.

Como nomear esse tipo de coisa? Com acerto, a imprensa vem se valendo de adjetivos precisos: “atos golpistas”, “manifestações antidemocráticas” ou “inconstitucionais”. É o que são, de fato. Na linguagem do jornalismo, o emprego de qualificativos criteriosos dá mais objetividade, e não menos, ao que se descreve. Um ato público que solicita uma ruptura violenta da ordem democrática só pode ser definido como golpista, assim como um cidadão que tem nacionalidade brasileira e dispõe de passaporte brasileiro só pode ser definido como um cidadão brasileiro.

As aglomerações às portas dos quartéis trazem uma pauta de reivindicações inconstitucionais e ilegais. Logo, são golpistas. Dar o devido nome aos fatos, com substantivos e adjetivos, é um dos deveres mais valiosos da imprensa – e é exatamente esse dever que a imprensa está cumprindo quando chama de golpistas as manifestações golpistas.

Não adianta dizer que são apenas reuniões “pacíficas” e “ordeiras”. Não são, não senhor. Do mesmo modo que uns minguados caminhoneiros bloquearam estradas pelo país afora, num levante criminoso e até agora muito mal explicado, esta turma quer estrangular as vias do Estado Democrático de Direito. Mais do que os caminhoneiros sabotadores, querem inviabilizar o país. O seu propósito não tem nada de “pacífico”, não tem nada de “ordeiro”. Quanto aos quartéis, em vez de se esgueirar na ambiguidade melíflua, deveriam se considerar ofendidos com o assédio da barbárie que se amontoa ao redor de seus muros.

O que mais chama a atenção, contudo, é o mau gosto infantiloide que há nisso tudo. As imagens mostram adultos em trajes auriverdes perfilados sobre o asfalto para brincar de “marcha-soldado”. O golpismo da temporada tem uma nota pueril, por mais que seja perverso. Uns batem continência. Outros marcam passo, desengonçados e balofos, como escoteiros da terceira idade. Sempre aparece alguém tocando corneta (e mal). Como crianças amedrontadas, pedem “socorro” à força bruta para dar cabo de assombrações que não existem. Um lá fez discurso e disse que os apartamentos de mais de 60 metros quadrados serão ocupados e repartidos pelo novo governo. Delírios imobiliários. O atual presidente (agora empenhado no abandono de emprego) se reuniu com Geraldo Alckmin e pediu a ele que ajudasse a livrar o Brasil do “comunismo”. Delírios reacionários. Um fantasma ronda a imaginação devastada dos crianções envelhecidos: o fantasma do fantasma do fantasma do comunismo.

A vestimenta dos circunstantes também merece registro. O pendão nacional virou um adereço prêt-à-porter que as senhoras mais ricas usam como um lenço, uma écharpe tropical. Os homens tendem a vestir a mesma peça como se fosse uma capa de super-herói, e há os que improvisam um capuz quando chuvisca. O lábaro emoldura o bárbaro estrilado.

Que espetáculo desconcertante. Quando vemos as vagas em verde-amarelo pela televisão, a cena parece saída de um daqueles filmes de zumbis. Os tipos que se movem na tela, implorando a intercessão da brutalidade, lembram mortos-vivos políticos adornados pelo estandarte pátrio e armados de telefones celulares. Deserdados pela ditadura militar extinta, transitam num limbo entre a tirania defunta e a ordem democrática em formação. Eles não souberam se desprender do que a história já cuidou de sepultar e não se sensibilizam com o que a nação presente tenta construir.

Com ares de comédia, o que vem se desenrolando é uma tragédia. Seria um erro zombar da situação. Dia destes, em Nova York, ao ser importunado por alguém que o perseguia na calçada com um celular dizendo frases de morto-vivo político, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso virou o rosto para trás, sem diminuir o passo, e disparou: “Perdeu, mané. Não amola”. A tirada do magistrado soa sardônica, mas o impasse é grave. As forças que procuram fazer regredir a roda da História nacional não estão aí a passeio. Por um triz, não ganharam as eleições. Suas performances são cafonas, sua estética é jeca e seu discurso, infantil, mas nunca, desde a redemocratização, estiveram tão organizadas e tão determinadas como agora.

As pequenas multidões de camisa amarela que agora acampam nas cercanias da soldadesca têm lá o seu quê de ridículo, mas o que elas expressam é mais profundo e ameaçador. Os golpistas que sequestraram e estiolaram as cores nacionais ainda vão dar muito trabalho. As instituições que se preparem.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *