Poder
Publicado em 15/07/2022 12:00 -
Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.
Jair Bolsonaro solidarizou-se com o agente penitenciário bolsonarista Jorge Guaranho que assassinou o tesoureiro petista e guarda municipal de Foz do Iguaçu, Marcelo Arruda. A declaração, dada em frente ao Palácio do Alvorada a seus fãs, não incluiu solidariedade a Arruda. Depois, Bolsonaro ligou para irmãos do guarda municipal, acusou a esquerda de estar tentando responsabilizá-lo pela morte e os convidou para uma coletiva da imprensa com claro objetivo de ajudar a limpar sua barra.
Ao invés de apenas enviar palavras de conforto às famílias do guarda municipal morto durante sua festa de aniversário e do agente penitenciário, que está internado no hospital após cometer o crime, o presidente da República demonstra, mais uma vez, estar mais preocupado consigo mesmo. Ele teme o impacto do caso nas eleições por conta dos episódios em que ele estimulou violência contra adversários políticos.
Aos apoiadores, Jair criticou que Guaranho tenha sido espancado por outros presentes da festa após ter atirado várias vezes em Arruda e sido ferido por ele:
"O outro foi ferido, ficou caído no chão e daí o pessoal da festa, todos petistas, encheram a cara dele de chute. A violência, né? Os petistas, era a violência do bem, chute na cara de quem deitado, está caído no chão. Para quem não sabe direito tudo que aconteceu, as imagens demonstram os atos de violência lá dentro do recinto. Se esse cara morre, vamos supor, de traumatismo craniano e não por causa do ferimento à bala, esses petistas vão responder por homicídio", afirmou.
Além disso, também tentou justificar a ação do agente penitenciário:
"Grande parte da imprensa mostrou as imagens do tiroteio dentro do recinto, não mostrou o que aconteceu lá fora. Nada justifica a troca de tiros, mas lá fora… Está sendo concluída a investigação pela Polícia Civil do Paraná, talvez concluam hoje, para a gente ver que teve um problema lá fora, onde o cara que morreu, que estava lá na festa, jogou uma pedra no vidro daquele cara que estava que estava no carro pro lado de fora. Depois ele voltou, e começou aquele tiroteio lá onde morreu o aniversariante", disse Bolsonaro.
Ao contrário do que afirma, os dois vídeos, mostrando o que ocorreu dentro e fora do recinto do aniversário foram amplamente divulgados. E não foi um tiroteio: Guaranho começou a atirar e, depois, Arruda revidou, mas morreu. O guarda municipal aparece lançando algo no carro do agente – testemunhas disseram que era terra, não pedras.
Bolsonaro não fez um gesto de solidariedade ao petista morto, provavelmente porque estava falando com sua claque no cercadinho em frente ao Palácio do Alvorada. O presidente costume adotar discursos diferentes para públicos diferentes, omitindo e mentindo.
Bolsonaro convidou irmãos de petista para coletiva a fim de ajudá-lo eleitoralmente
De acordo com o jornalista Guilherme Amado, do portal Metrópoles, a chamada de vídeo de Bolsonaro com os irmãos bolsonaristas de Marcelo Arruda ocorreu por intermédio do deputado Otoni de Paula (MDB-RJ). "Por mais que porventura tenha tido uma troca de palavras grosseiras, mas não justifica o cara voltar armado e fazer o que ele fez", disse.
O presidente os convidou a participarem de uma coletiva nesta sexta (15). "A ideia é ter uma coletiva com a imprensa para vocês falarem a verdade, não é a esquerda ou a direita. A imprensa está tentando desgastar o meu governo", disse.
A viúva, Pamela Suellen Silva, não sabia da ligação e, segundo apuração do jornalista Chico Alves, do UOL, considerou um "absurdo" o diálogo dos cunhados com o presidente.
O ex-presidente Lula havia ligado para ela a fim de prestar solidariedade pela morte do marido no final da tarde do último dia 10. E transmitiu, pela internet, seus sentimentos também à família de Guaranho, logo após o crime, via redes sociais.
"Duas famílias perderam seus pais. Filhos ficaram órfãos, inclusive os do agressor. Meus sentimentos e solidariedade aos familiares, amigos e companheiros de Marcelo Arruda. Também peço compreensão e solidariedade com os familiares de José da Rocha Guaranho, que perderam um pai e um marido para um discurso de ódio estimulado por um presidente irresponsável", postou.
Na tentativa de mostrar que não apoia a violência, o presidente trouxe hoje números de homicídios, apontando que houve uma redução de mortes em seu governo. Fazer essa comparação descabida é o equivalente a alguém, depois de estimular a homofobia, dizer que tem amigos gays.
As redes sociais de Jorge Guaranho, que matou Marcelo Arruda, no último dia 9, em Foz do Iguaçu (PR), são uma grande caixa de eco dos discursos e declarações de Jair Bolsonaro. Por mais que o presidente tenha tentado se desvencilhar do episódio, tuitando, neste domingo, que "dispensamos qualquer tipo de apoio de quem pratica violência contra opositores", foi ele quem espalhou a seus seguidores que o Brasil precisar passar por uma "limpeza" de opositores.
E, ao que tudo indica, Guaranho absorveu bem essa intolerância, pois conclamou todos a limpar o país do PT em sua conta no Facebook.
O presidente não ordenou ninguém a cometer esse tipo de crime. Contudo, a sobreposição de seus discursos ao longo do tempo, fomentando ódio contra políticos, magistrados, jornalistas, entre outros, distorce a visão de mundo de seus seguidores e torna a agressão "necessária'' para tirar o país do caos e extirpar o "mal", alimentando a violência.
Uma ação de marketing, como uma coletiva com os parentes bolsonaristas do assassinado, não ajudará a resolver o problema. Para isso, ele precisaria exigir que seus seguidores baixassem as armas após o assassinato, atendendo aos pedidos de seus aliados e da oposição, a fim de pacificar as eleições. Mas não fará isso.
Mantém, dessa forma, o aviso que deu no ano passado, um pouco antes dos atos golpistas e antidemocráticos de 7 de setembro: "se você quer paz, se prepare para a guerra". E o reforço dado no último dia 7: "Não preciso dizer o que estou pensando, mas você sabe o que está em jogo. Você sabe como você deve se preparar, não para o novo Capitólio, ninguém quer invadir nada, mas sabemos o que temos que fazer antes das eleições".
Enquanto não acertar o próprio peito, Bolsonaro seguirá atirando
Somente um estúpido como Bolsonaro tentaria politizar o assassinato de um militante petista por um bolsonarista. Se tivesse se limitado a solidarizar-se com a família do morto e a condenar o ato sem meias palavras teria ficado em melhor situação. Não perderia voto entre seus apoiadores, e talvez ganhasse alguns.
Mas Bolsonaro, além de estúpido, não sabe falar para fora do cercadinho dos seus devotos fanáticos. E aconselha-se de preferência com aqueles que dizem o que ele quer ouvir. Resta aos poucos assessores sensatos que ainda o cercam apagar um incêndio atrás do outro. É o que novamente tentam fazer.
Bolsonaro culpou a esquerda pelo assassinato e, não bastasse, agiu para dividir a família de Marcelo Arruda ao descobrir que dois irmãos dele são bolsonaristas. Em resumo: ao invés de afastar-se da bomba que poderia atingir ele mesmo, Bolsonaro, puxou-a para que explodisse no seu colo. A oposição comemorou.
Tão cedo deixará de comemorar. Até porque, ao ignorar a viúva e os filhos de Arruda para os quais não telefonou, Bolsonaro convidou os irmãos bolsonaristas a voarem a Brasília e a concederem uma entrevista. Para defendê-lo, claro. Quer dizer: se depender dele, o caso prosseguirá na ordem do dia.
A ala dos assessores “loucos” ganhou mais uma parada contra os assessores “sensatos”. Esses, no momento, estão empenhados em convencer Bolsonaro a cancelar a entrevista dos irmãos de Arruda. Se conseguirem se darão por satisfeitos, sabendo que Bolsonaro seguirá dando tiros no pé até que um dia acerte no próprio peito.
Polícia indicia bolsonarista por homicídio, mas não vê crime político
A Polícia Civil do Paraná indiciou o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas. O guarda municipal Marcelo Arruda foi morto a tiros no último dia 9 enquanto comemorava o aniversário de 50 anos com uma festa temática do PT em Foz do Iguaçu.
Embora a investigação tenha concluído que o atirador foi ao local para "provocar" os participantes da festa, já que é apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), a Polícia Civil entende não haver provas suficientes para constatar que houve crime de ódio com motivação política.
A delegada Camila Cecconello, chefe da DHPP (Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa) e responsável pela investigação, disse em entrevista coletiva concedida hoje de manhã que o atirador ficou sabendo da festa em homenagem ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando participava de um churrasco do futebol com amigos e decidiu ir ao local, onde se envolveu em uma discussão envolvendo divergências políticas.
De acordo com a investigação, um dos amigos do policial penal que monitorava a festa por aplicativo do celular mostrou que havia uma festa temática em homenagem ao PT. Com isso, descartou a versão de que Guaranho estava fazendo uma ronda no local.
"O autor dos fatos estava comemorando e ingerindo bebidas alcoólicas. [Ao saber da festa alusiva ao PT] o autor não comenta nada. Apenas pergunta onde está acontecendo a festa", relatou a delegada. "Ele foi lá realmente no intuito de provocar a vítima. Fica muito clara que houve uma provocação e uma discussão em razão de políticas", completou.
Contudo, ela entende que não há comprovação de que houve crime de ódio por motivação política. “Não há provas de que ele voltou para cometer crime político. É difícil falar que ele matou pelo fato de a vítima ser petista. Ele voltou porque se mostrou ofendido pelo acirramento da discussão", disse a delegada Camila Cecconello.
A delegada disse não ter feito o indiciamento por crime político por entender que não há comprovação de que o atirador pretendia impedir a vítima de exercer os seus direitos políticos.
"Para você enquadrar em crime político contra o Estado Democrático de Direito, tem alguns requisitos, como impedir ou dificultar a pessoa de exercer seus direitos políticos. Quando [Guaranho] chegou [ao local do crime], ele não tinha a intenção de efetuar os disparos. Esse acirramento da discussão fez com que o autor voltasse e praticasse o homicídio".
Embora afaste o crime de ódio, Cecconello reconhece que houve uma desavença política. Contudo, no entendimento dela, o crime ocorreu em decorrência da "escalada da discussão". "Parece algo que virou pessoal entre duas pessoas que discutiram por motivações políticas", explicou.
A Polícia Civil levou apenas cinco dias para concluir o inquérito, que contou com 17 depoimentos e a análise das imagens captadas pelas câmeras de segurança no local do crime, que registraram o assassinato.
Os representantes legais da família de Arruda criticam o que entendem ter sido uma "conclusão apressada" do inquérito, sem que ao menos fosse analisado o conteúdo do celular do atirador. No entendimento dos advogados que representam os interesses da família do petista morto, é necessário investigar se há a eventual participação de terceiros no crime.
Deixe um comentário