08/09/2024 - Edição 550

Poder

Bolsonaro entrega R$ 7,5 milhões para Google distribuir – inclusive a sites de fake news

Publicado em 14/08/2020 12:00 -

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O governo Jair Bolsonaro entregou mais de R$ 11 milhões ao Google, entre maio de 2019 e julho de 2020, para que o gigante da internet distribua anúncios do governo de extrema direita pela internet. Parte considerável desse dinheiro – até 68%, segundo o próprio Google – vai parar no bolso dos editores dos sites que os veiculam pelo sistema AdSense.

Esse tipo de anúncio é um dos principais meios de financiamento de sites de fake news de extrema direita que proliferaram e ganharam musculatura na internet após a eleição de Bolsonaro. A CPMI das fake news já identificou dois milhões de anúncios publicitários do governo que foram parar em site de “conteúdo inadequado” por meio do AdSense. Dezenas de sites de fake news foram beneficiados com esse dinheiro.

Mesmo antes de chegar a essa conclusão, a comissão já havia convidado, em 2019, executivos do Google a prestar esclarecimentos – o que ainda não ocorreu, porque os trabalhos estão parados por causa da pandemia de coronavírus.

Agora, fica claro que o bolsonarismo foi ainda mais generoso. Numa conta simplista, o Planalto colocou R$ 7,5 milhões (já excluída do montante a fatia abocanhada pelo próprio Google) à disposição de todo tipo de site, inclusive propagadores de mentiras como o Jornal da Cidade Online e o Conexão Política, primeiros alvos do movimento Sleeping Giants Brasil.

Os dados foram compilados pelo Intercept_Brasil a partir de um pacote de contratos, termos aditivos e relatórios de despesas com publicidade oficial enviado pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, em resposta a requerimento feito pelo deputado federal David Miranda, do Psol fluminense.

Com os mais de R$ 11 milhões que recebeu, o Google só fica atrás de dois outros veículos de comunicação, a Record e o SBT, aliados de primeira hora do bolsonarismo, e de uma empresa que fornece mídia out of home, jargão do mercado publicitário para todo tipo de anúncio em ambiente externo, de painéis eletrônicos em grandes avenidas a anúncios em pontos de ônibus.

A rede de televisão da Igreja Universal do Reino de Deus embolsou mais de R$ 17,3 milhões para propagandear o governo Bolsonaro. O canal de Sílvio Santos, segundo colocado, outros R$ 15,4 milhões. Em seguida, está uma fornecedora de mídia outdoor a quem o bolsonarismo entregou quase R$ 11,2 milhões, R$ 70 mil a mais do que recebeu o Google.

Driblando a lei

Em maio, o Sleeping Giants Brasil alertou que o Banco do Brasil era um dos anunciantes que usava o Google AdSense para patrocinar sites de fake news. “É realmente triste assistir o aparelho governamental interferir e fazer uso do dinheiro do povo para empregá-lo em discursos odiosos e na disseminação de notícia falsas”, disse à revista Veja o criador do movimento, que prefere permanecer anônimo por temer represálias.

O relatório de despesas de publicidade oficial permite ver quanto dinheiro o bolsonarismo colocou à disposição dos sites de fake news. Os R$ 11 milhões pagos ao Google representam 6,5% do total gasto no período coberto pelo relatório – R$ 168,5 milhões, pulverizados entre mais de 1.600 fornecedores de todo tipo, de grandes emissoras de televisão e redes sociais a jornais e emissoras de rádio dos rincões do país.

Mas o Google alega sigilo comercial para não revelar os destinatários finais do dinheiro. Num leilão, a empresa distribui os anúncios com base no público que acessa os sites. A remuneração é por cliques: se o usuário clicar no anúncio, o Google e o site dividem a grana. A audiência é uma das variáveis que torna sites mais lucrativos, assim como a afinidade do público com os anúncios.

O Google não revela quais são os anunciantes de sites específicos. Mas nós já mostramos que, desde 2016, a extrema direita criou uma rede de sites lucrativa para receber esse dinheiro, e recebeu inclusive treinamento do próprio Google para bombar a audiência e lucrar mais com anúncios.

É uma corrida, portanto: quem atrair mais gente ganha mais dinheiro. E, para atrair a audiência da extrema direita, vale mentir e inventar – e falar bem de Bolsonaro, claro. Afinal, é bastante provável que um fã do presidente que chegou a um site de fake news atrás de matérias que confirmem sua fé no presidente clique num anúncio que fala bem de seu governo. É uma relação em que todos saem ganhando – a não ser os fatos e a democracia.

Concentrando parte considerável de sua verba publicitária nesse sistema, o governo escapa das críticas (e possíveis processos por improbidade) de que seria alvo se escolhesse entregar diretamente dinheiro público a sites que defendem o presidente, a cura da covid-19 pela cloroquina (descartada pela ciência), culpam adversários de Bolsonaro pelas mortes causadas pelo coronavírus ou simplesmente negam que ele seja a causa.

Em português claro, Bolsonaro encontrou no sistema de anúncios do Google uma maneira de entregar dinheiro público a seu exército de difusores de mentiras e teorias da conspiração sem ser alvo dos órgãos que controlam os gastos do governo. Já admitiu isso publicamente e passou recibo quando sua tropa de choque esperneou em reação ao surgimento do Sleeping Giants Brasil.

O movimento, que conseguiu retirar os anúncios do Google de dois dos principais sites de fake news, foi alvo de ataques do secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Fabio Wajngarten, e dos filhos 02 e 03 do presidente, Carlos e Eduardo Bolsonaro.

Wajngarten falou, inclusive, que iria “contornar a situação”. Em seguida, o Banco do Brasil, um dos grandes anunciantes do governo, retomou a veiculação de propaganda via Google AdSense em um dos sites de fake news – até ser proibido de fazê-lo por decisão do Tribunal de Contas da União.

Para se defender, o governo tenta jogar a culpa no Google. “Não há, nem é possível, qualquer direcionamento para sites ou blogs impróprios porque a Secom não compra, não investe. Não existe nem blacklist nem whitelist”, tentou se esquivar o secretário de Publicidade de Bolsonaro, Glen Valente, numa entrevista à imprensa concedida em junho.

Só que não é assim. O sistema de anúncios do Google permite que o cliente (no caso, o próprio governo, representado pelas agências de publicidade que contrata) direcione seus anúncios a partir de um cardápio de 180 filtros disponíveis diretamente no sistema. Por eles, o anunciante pode escolher o perfil do público (incluir ou não crianças, aparecer ou não em sites que veiculam conteúdos violentos), segundo uma fonte que conhece profundamente o sistema e que conversou com o Intercept sob sigilo.

Além dessas opções, ainda há inúmeras possibilidades de ajustes finos, a partir do que se chama, no jargão do mercado, de listas de positivação e de exclusão – em que se pode incluir de endereços de sites a palavras-chave. Por exemplo: é possível pedir ao sistema para não exibir os anúncios em sites em que apareça a expressão “direito ao aborto” e privilegiar os que falam em “proteção à família tradicional” e “defesa da vida”. “Isso sinaliza ao algoritmo que estou disposto a pagar mais para veicular meu anúncio nesse tipo de site”, disse a fonte.

Em português claro, quem sabe usar esses ajustes pode multiplicar as chances de um anúncio do governo Bolsonaro ser exibido num site de fake news e eliminar as de que ele vá parar no de um jornal que critica o presidente de extrema direita. Tudo isso, claro, deixa rastros, ou logs, nome de registros de históricos de alterações feitas em sistemas de tecnologia da informação. O próprio Google confirma a existência dessas opções.

“Nossas plataformas oferecem aos anunciantes e agências controles robustos que permitem o bloqueio de categorias, palavras-chave e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos. Isso é importante, pois entendemos que os anunciantes podem não desejar seus anúncios atrelados a determinados conteúdos, mesmo quando estes não violam nossas políticas”, disse, em nota enviada como resposta a perguntas sobre os destinatários finais da verba de publicidade e o controle exercido pelos anunciantes.

Esses logs podem ser pedidos ao comprador dos anúncios – o governo – pela CPMI e pelos órgãos de controle – o Tribunal de Contas da União ou o Ministério Público Federal, por exemplo.

O MPF já está na história. Em maio, foi aberto inquérito para investigar Fabio Wajngarten pela suspeita de direcionar verba do governo a sites de fake news que apoiam o governo Bolsonaro. Os procuradores veem “impacto na liberdade de expressão e de imprensa de uma forma geral, pela potencialidade de inibição de reportagens investigativas e críticas sobre a atual administração, o que significa censura, ainda que por outros métodos”.

Maioria dos sites que propagam fake news é financiada por anúncios do Google, diz estudo

Um estudo realizado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, e divulgado no último dia 7, indica que a maioria dos sites que propagam fake news é financiada pela plataforma de anúncios Google Ads.

"Os sites que publicam consistentemente 'junk news' mostram estratégias profissionais de SEO [Search Engine Optimization, usadas para aumentar o alcance das publicações] para disseminar seu conteúdo por meio de mecanismos de pesquisa", diz o estudo.

A pesquisa aponta 3 conclusões:

– As principais fontes de desinformação possuem boas métricas de SEO e são otimizadas para distribuição nas buscas e nas mídias sociais, com potencial para alcançar mais pessoas;

– Sites de desinformação usam em suas notícias links de portais confiáveis e de alto prestígio para conseguirem melhor colocação nos mecanismos de busca da web;

– A "esmagadora maioria" dos sites de desinformação depende das principais plataformas de publicidade online para gerar receita, e 61% deles usam anúncios do Google.

Enquanto 61% dos portais de desinformação utilizam a ferramenta Google Ads para gerar receita, este índice é ligeiramente menor entre sites de jornalismo profissional (59%).

Procurado, o Google afirmou que tem políticas rígidas para impedir que páginas com conteúdos prejudiciais, perigosos ou fraudulentos gerem receita por meio da plataforma de anúncios Google Ads (leia mais abaixo).

Como foi a feita a pesquisa

A pesquisa feita pela Oxford Internet Institute checou, entre abril e maio deste ano, 830 fontes sobre a Covid-19 e analisou as principais métricas de otimização de mecanismo de pesquisa (SEO), como forma de avaliar a reputação online dos sites e sua dependência de publicidade digital.

Entre os sites de jornalismo profissional analisados pela pesquisa estão veículos internacionais como Reuters, New York Times, The Guardian, CNN, La Reppublica e Fox News. Outros portais, como RT, SputnikNews, Alternet, Breitbart e ZeroHedge, foram considerados como fontes de desinformação.

Em uma escala de 0 a 100 de relevância nos mecanismos de busca, sites de jornalismo profissional conseguiram pontuação máxima de 89, enquanto portais que propagam fake news chegaram a 82. Na lista divulgada pelo estudo, a diferença de pontuação entre os 10 principais sites de cada categoria é pequena.

"Estamos comprometidos em elevar o conteúdo de qualidade entre os produtos do Google e isso inclui proteger as pessoas de informações falsas sobre saúde. Recentemente, atualizamos nossa política para proibir a monetização de conteúdos que contrariem o consenso científico em meio a crises de saúde", diz o Google.

"Muitos dos sites da nossa amostra foram sinalizados por pesquisadores e fact-checkers por apresentarem teorias da conspiração e falsidades, inclusive em relação à Covid-19. No entanto, esses sites continuam gerando receita com publicidade", afirma a pesquisa.

“Grandes plataformas de publicidade, incluindo Google e Amazon, contribuem para a viabilidade financeira e o sucesso de publicadores de 'junk news' e desinformação em torno da Covid-19."

Segundo o Google, em 2019, a plataforma encerrou mais de 1,2 milhão de contas de veículos e retirou anúncios de mais de 21 milhões de página por violação das políticas da empresa.


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