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Ex-presidente encontrou no “coach” um ego bem maior do que o seu
Publicado em 09/09/2024 11:06 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL) – Edição Semana On
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Dos manifestantes presentes no ato bolsonarista, no sábado (7), em São Paulo, 75% acreditam que, entre os candidatos a prefeito na capital, o ex-coach Pablo Marçal (PRTB) se identifica mais com Jair Bolsonaro, enquanto 8% apontam o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), apoiado oficialmente pelo ex-presidente. Outros 13% dizem que é nenhum dos dois.
Os números são resultado de pesquisa realizada pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo durante a manifestação na avenida Paulista. Foram entrevistadas 582 pessoas e a margem de erro é de quatro pontos, a mesma que a pesquisa anterior.
Apesar de o público presente no ato (que pediu o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e anistia aos presos pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023) enxergar nele mais vínculos com Bolsonaro do que Nunes, o empresário foi criticado pelo ex-presidente por tentar se aproveitar politicamente do evento.
“O único e lamentável incidente ocorreu após o término do meu discurso, com o evento já encerrado, quando então surgiu o candidato Pablo Marçal, que queria subir no carro de som e acenar para o público, fazer palanque às custas do trabalho e risco dos outros, e não foi permitido por questões óbvias”, disse. Marçal retrucou dizendo que foi “o único que foi para os braços do povo”.
Ricardo Nunes e Marina Helena (Novo) estiveram no caminhão durante o ato, mas não discursaram. O pastor Silas Malafaia, organizador do protesto, afirmou que Marçal veio no final porque estava com medo de Alexandre de Moraes e desejava apenas fazer vídeos para “lacrar” nas redes.
Marçal vem crescendo nas pesquisas adotando um discurso que agrada a extrema direita. O clã Bolsonaro que, oficiamente, apoia a reeleição de Nunes, tentou ensaiar uma reação com ataques ao ex-coach – que desagradaram a própria base bolsonaristas. Com isso, panos quentes foram colocados.
“A quantidade de manifestantes que considera Marçal mais bolsonarista que Nunes mostra o avanço e a ameaça que Marçal representa ao campo, já que tanto Tarcisio quanto Bolsonaro reforçaram que Nunes é o candidato ‘oficial’. Na intenção para presidente, Tarcisio perdeu algum apoio, mas segue numa liderança folgada”, diz à coluna Pablo Ortellado, professor de Políticas Públicas na USP e um dos coordenadores da pesquisa.
Ele se refere à outra questão, na qual o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi apontado por 50% dos presentes como o melhor nome para concorrer à Presidência da República em 2026, caso Bolsonaro continue inelegível. Ele é seguido pela ex-primeira dama Michelle Bolsonaro (PL), com 19%, por Pablo Marçal, 14%, e pelo governador de Minas Gerais Romeu Zema (Novo), com 6%. Outros nomes somaram 6%.
No ato anterior na Paulista, em 25 de fevereiro, Tarcísio marcava 61%, e Michelle, os mesmos 19%. Naquele momento, Marçal não estava entre os possíveis presidenciáveis.
83% creem que Bolsonaro venceu eleição, 94% que vivemos em ditadura
Dos manifestantes presentes, 83% acreditam que foi ele e não Lula quem de fato ganhou as eleições em outubro de 2022 – na pesquisa de 25 de fevereiro, eram 88%.
E 94% afirmam que vivemos em uma ditadura porque avaliam que há excessos e perseguições da Justiça – mesmo número de fevereiro.
Nos Estados Unidos, pesquisas de opinião com seguidores do republicano Donald Trump também mostram que eles acreditam que foi ele e não o democrata Joe Biden quem venceu a corrida eleitoral em 2020.
Dos presentes, 96% são a favor do impeachment de Alexandre de Moraes. No total, 46% creem que os atos golpistas de 8 de janeiro foram um protesto pacífico contra fraude nas eleições, 37% apontam que foram um protesto pacífico contra fraude nas eleições com alguns excessos, 4%, uma tentativa de golpe de Estado e 11% afirmaram que essas ideias não descrevem bem o 8 de janeiro.
Manifestação teve maioria de homens, brancos, católicos
Dos presentes na manifestação, 75% se declararam muito conservadores, 22%, um pouco conservadores e 3%, nada conservadores (este último deve ser do mesmo grupo de 4% que viu no 8 de janeiro um golpe de Estado).
No total, 60% eram homens e 40%, mulheres.
Quanto à idade, 65% tinham 45 anos ou mais, 29%, entre 25 e 44 e 6%, entre 16 e 24 anos. Brancos representavam 68% e negros (pretos e pardos), 29%.
Vivem em famílias que recebem até dois salários mínimos mensais 8% dos presentes, entre 2 e 5 salários representam 40%, entre 5 e 10, 25%, entre 10 e 20, 13% e mais de 20 salários mínimos, 9%.
Do total, 72% dizem ter ensino superior, 21% médio e 6%, fundamental.
E 46% se dizem católicos, 30% evangélicos, 10% espíritas e kardecistas.
Pesquisadores estimaram 45 mil na manifestação
O ato bolsonarista na avenida Paulista, neste 7 de setembro, reuniu 45,4 mil pessoas às 16h05 horas, seu horário de pico, de acordo com contagem do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP. Para efeito de comparação, ato semelhante, de 25 de fevereiro, também organizado pelo pastor Silas Malafaia, juntou 185 mil pessoas, segundo levantamento do mesmo grupo.
A contagem de cabeças foi baseada em fotos aéreas de alta resolução que cobriram a extensão da avenida, tiradas às 14h25, 15h25 e 16h05, e processadas com a ajuda de um software especial para esse fim. Na contagem de público, a margem de erro é de cerca de 12% para mais ou para menos.
Bolsonaro encontrou em Marçal um ego bem maior do que o seu
Bolsonaro espantou-se com o comportamento de Pablo Marçal no 7 de Setembro. Assombração sabe para quem aparece. Um cabo eleitoral que fecha acordo com um candidato, mas balança diante do repique da popularidade de outro mais histriônico, não poderia esperar outra coisa. Marçal deu ao ato bolsonarista uma aparência crepuscular. Vítima de si mesmo, Bolsonaro reagiu com a agressividade de quem encontrou um ego maior do que o seu.
O egocentrismo chegou antes de Marçal, estampado numa numa gigantesca bandeira do Brasil que forrava um pedaço da Avenida Paulista. Nela, em vez de “ordem e progresso”, lia-se o seguinte: “Bolsonaro parou. Marçal começou. Pablo Marçal presidente do Brasil”.
Marçal ajustou o cronômetro às conveniências de quem morre de medo de ter a candidatura a prefeito de São Paulo barrada pelo Judiciário. Chegou atrasado o bastante para não ter que testemunhar os ataques de Bolsonaro contra Xandão. Impedido de subir no caminhão de som, escalou a grade de proteção. Fez pose para suas redes. Estava interessado nos recortes, não nos discursos.
Acusado por Bolsonaro de “fazer palanque às custas do trabalho e risco dos outros”, Marçal deu de ombros. “Não tive fala nenhuma”, declarou. “Fui o único que foi para os braços do povo”. Abespinhado, Bolsonaro ecoou no WhatsApp vídeo providenciado pelo pastor Silas Malafaia. Na peça, Marçal é torpedeando com três adjetivos tóxicos: “arregão”, “aproveitador” e “traidor”.
Ocupado em brigar com sua própria imagem refletida no espelho, Bolsonaro demora a enxergar a movimentação ao redor. Tarcísio de Freitas faz o seu jogo. Agarrado ao prestígio do governador paulista, Ricardo Nunes faz as contas para chegar ao segundo turno. Metade do eleitorado bolsonarista faz o “M” para o Datafolha. E Bolsonaro faz cara feia.
Bolsonaro perde medo da cadeia
Inelegível, Bolsonaro fez do 7 de Setembro um novo comício. Apresentou-se como candidato à impunidade. Satanizou Xandão, questionou a derrota de 2022, hasteou a bandeira da “anistia” para o golpismo e previu que as acusações feitas contra ele cairão por “falta de materialidade”.
O capitão perdeu o medo da cadeia. Por mal dos pecados, sua desfaçatez é respaldada pelos fatos. Bolsonaro presidiu o país por quatro anos como um símbolo da estupidez inimputável. Embora tenha perdido o escudo da imunidade presidencial há 20 meses, o símbolo ainda não pagou por tudo o que simboliza.
Manda a praxe que os chefes dos Três Poderes compareçam à celebração oficial do Dia da Pátria, em Brasília. Neste ano, o Judiciário exagerou. Antevendo os ataques de Bolsonaro, seis dos onze ministros do Supremo —ou 54,5% da Corte— desceram à tribuna de Lula. Além de Moraes, deram as caras Barroso, Gilmar, Toffoli, Fachin e Zanin.
Embora ausente, Dino enalteceu nas redes sociais “a coragem e a independência” de Xandão, que roubou a cena. Chamado de “cabeça de ovo” na Avenida Paulista, foi ovacionado na Esplanada dos Ministérios. No caminhão de som de Bolsonaro, foi tratado como “ditador”. Na tribuna de honra de Lula, foi recepcionado como herói da resistência.
Em São Paulo, a claque bolsonarista entoou o refrão “cabeça de ovo, Supremo é o povo”. Em Brasília, a calva suprema acenou para as arquibancadas ao ouvir gritos de “Xandão”. Nenhum dos dois cenários orna com a discrição que deveria caracterizar um magistrado.
Se não consegue abreviar o encontro de Bolsonaro com um lote de condenações criminais, o relator-geral da República deveria evitar a transformação de sua toga em adereço da polarização, em enfeite da fanfarra bolsonarista.
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