01/12/2023 - Edição 525

Poder

Ataques às urnas, ao STF e propostas de guerra civil: empresários repassaram conteúdos golpistas a mando de Bolsonaro

Polícia Federal já trata o ex-presidente como chefe de uma organização criminosa

Publicado em 23/08/2023 11:13 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL), Yurick Luz e Vitor Nunes(DCM) – Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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É grave que Bolsonaro tenha enviado mensagem a Meyer Nigri para que o dono da Tecnisa repassasse “ao máximo” mentiras sobre fraudes no sistema de votação eletrônico em junho de 2022. O caso reforça que grandes empresários ajudaram Jair a criar um caldo de desinformação e insatisfação que levou aos atos golpistas de 8 de janeiro.

Golpistas que depredaram as sedes dos Três Poderes estavam lá porque acreditaram em falsas afirmações sobre o TSE e o STF, como as propagadas por empresários bolsonaristas. Com o agravante de que a voz de quem possui recursos financeiros quase ilimitados para impulsionar mensagens e milhares de empregados para ouvir suas opiniões vai mais longe.

Nigri confirmou à Polícia Federal que repassou as mensagens em diversos grupos, o que foi usado pelo ministro Alexandre de Moraes para mantê-lo como investigado. Luciano Hang, dono da Havan e um dos principais apoiadores de Bolsonaro, também está na mesma situação. Outros seis empresários que faziam parte de um grupo de WhatsApp em que foram trocadas mensagens de caráter golpista tiveram os inquéritos arquivados.

Ricos empresários bolsonaristas defendendo golpe de Estado em caso de vitória de Lula em seu grupo de zap não é apenas um ataque bizarro à democracia, mas um clichê terrível. Mas o péssimo roteirista desta chanchada chamada Brasil, ora tem criatividade demais, ora tem de menos. Por exemplo, ele repete o mesmo personagem toda vez que um hacker aparece a história.

Em 17 de agosto do ano passado, reportagem de Guilherme Amado, Bruna Lima e Edoardo Ghirotto, no portal Metrópoles, mostrou como uma parte da elite econômica estava agarrada ao capitão não apenas por pragmatismo, mas por cumplicidade ao seu golpismo.

“Prefiro golpe do que a volta do PT. Um milhão de vezes. E com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras pelo mundo”, afirmou José Koury, dono do Barra World Shopping. Ganhou apoio de Afrânio Barreira, dono do Coco Bambu. E um comentário de André Tissot, do Grupo Sierra, dizendo que “o golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias de governo”.

Nada impede que, como pessoas físicas, empresários contribuíssem à campanha de Bolsonaro, nos limites estabelecidos pela lei eleitoral e de forma registrada. Isso não inclui, contudo, bancar o impulsionamento de conteúdos contra adversários ou disparos em massa de mensagens, como ocorreu em 2018.

Tampouco tentar comprar o voto de funcionários, como apareceu no próprio grupo de WhatsApp, com uma sugestão de que empresários pagassem bônus aos empregados que votassem alinhados a eles. Em 2018, aliás, Luciano Hang foi denunciado pelo Ministério Público do Trabalho por tentar influenciar o voto de seus funcionários.

Em 2021, o TSE manteve o mandato de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, apesar de reconhecer que disparos em massa foram feitos contra seus adversários via WhatsApp na eleição em que foi eleito. O atual presidente da corte, Alexandre de Moraes, avisou que, se isso ocorresse em 2022, iria mandar os responsáveis “para a cadeia por atentarem contra as eleições e a democracia no Brasil”.

O comportamento do grupo bolsonarista também ajuda a explicar a raiva de Jair Bolsonaro dos ricos empresários que assinaram a carta da Faculdade de Direito da USP e o manifesto da Fiesp em prol da democracia em agosto do ano passado. Ele os chamou de “mamíferos”, “caras de pau”, “sem caráter”.

Acostumado ao apoio incondicional de empresários amigos, o presidente acreditava que todo o rico era poroso a seus ataques à urna eletrônica e ao STF e suas ameaças à democracia. Ficou transtornado quando descobriu que o mundo era maior que um grupo de zap.

O problema é que, à medida que a investigação da PF avança, o mundo de Jair vai ficando cada vez menor, com empresários sentindo-se pouco à vontade a seu lado. Cabe à Polícia Federal e à Justiça não deixarem esquecer os que o ajudaram a atentar contra a democracia e, hoje, dizem que não ligam para a política.

Para Bolsonaro, ser ‘pai da mentira’ é tão ruim quanto ‘ladrão de joias’

Investigação da Polícia Federal a partir do celular do empresário Meyer Nigri mostra que o então presidente Jair Bolsonaro era o “difusor inicial” de mentiras sobre o STF, as urnas eletrônicas e as vacinas contra a covid-19.

Foram ao menos 18 mensagens entre fevereiro e agosto do ano passado, período pré-eleitoral e eleitoral. A partir daí, elas foram repassadas para uma rede maior de contatos – que, por sua vez, distribuíram as mentiras adiante. Afinal, era o dono da Tecnisa intermediando conteúdo do chefe do Poder Executivo em pessoa.

Após a informação ter sido publicada em reportagem de Aguirre Talento, no UOL, nesta quarta (23), uma liderança evangélica que não está na política e segue uma trilha mais progressista, enviou o link do texto com o comentário irônico “Não era João 8:32, mas João 8:44”.

O primeiro trecho do Evangelho de João é o preferido do ex-presidente. “Conhecerei a verdade, e a verdade vos libertará”, diz. Já o segundo termina com uma famosa citação, muito usada em pregações a cristãos: “Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira”.

Mesmo com todos os escândalos, Bolsonaro tem demonstrado resiliência junto ao seu público mais fiel. Para esse grupo, chama-lo de “genocida” ou “golpista” não causa grande impacto. Primeiro porque são dois termos pouco palpáveis. Segundo, pois é mais fácil criar dúvidas sobre a responsabilidade pelas mortes na pandemia ou pela tentativa de golpe de Estado.

Mas a percepção de duas outras lideranças evangélicas foi de que, diante do escândalo das joias doadas por governos árabes ao Brasil, muitos fiéis bolsonaristas recolheram-se nas redes, evitando defender o presidente. Não significa que se distanciaram dele, apenas não querem encarar essa contradição.

A Polícia Federal indica que houve desvio de patrimônio público e lavagem de dinheiro, com os produtos de luxo sendo vendidos a ricaços nos Estados Unidos para benefício pessoal de Jair.

Ser pego surrupiando ouro e diamantes que pertencem ao povo não precisa de muita explicação, ao contrário de genocídio e golpismo. Qualquer cristão conhece bem o “não furtarás” dos Dez Mandamentos no livro de Êxodo, capítulo 20, tanto quanto a história do pecado de adorar um bezerro feito de ouro e joias contada em Êxodo 32.

Coincidentemente, o ex-presidente desabou no Índice de Popularidade Digital medido pelo instituto de pesquisa Quaest após a PF deflagrar a nova fase de operações sobre as joias chamada de “Lucas 12:2”. “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”, diz o versículo desse evangelho.

Como a queda de Jair não significou um crescimento na popularidade digital de Lula, a questão é o silêncio de parte dos seguidores de Jair. Outra parte segue estridente, comparando o Rolex de Jair com um crucifixo do petista – peça de arte que a própria Lava Jato confirmou ser mesmo dele.

Esse grupo não abandonou o ex-presidente, mas também não sai em sua defesa neste caso. E aí pode estar boa parte dos evangélicos, que o apoiaram em peso durante as eleições.

A questão das joias tem uma dimensão moral que pode não afetar o bolsonarismo-raiz, mas atinge outros eleitores do ex-presidente, nem que seja por uma vergonha temporária. O mesmo padrão pode acontecer se disseminada a comprovação de que ele foi mesmo o “pai das mentiras” contadas nas eleições.

Claro que, para quem acompanha a política brasileira, saber que o ex-presidente ou seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro, são a fonte das fakes não é nenhuma novidade. Mas uma investigação da Polícia Federal comprovar isso, com o agravante de que mensagens citavam “sangue” e “guerra civil” no caso de derrota nas eleições, tem potencial de estrago.

Pois “sangue” e “guerra civil” foram vistos no dia 8 de janeiro, quando bolsonaristas tentaram dar um golpe de Estado em Brasília.

Vale acompanhar os desdobramentos da investigação da PF para verificar se as revelações terão impacto mais duradouro nesse público que está em silêncio. Ou seja, se a vergonha temporária de defender Bolsonaro se tornará permanente.

PF trata Bolsonaro como chefe de uma organização criminosa

Bolsonaro conseguiu bolsonarizar a rotina política do país porque encontrou material. Impossível criticar a desfaçatez do personagem e tratar com punhos de renda empresários como Meyer Nigri, que se dispunham a repassar adiante as mentiras de um presidente negacionista, obscurantista e antidemocrático.

Inevitável constatar que o roubo de joias da União só foi possível porque contou com a cumplicidade fardada e paisana. Incontornável a constatação de que o golpismo e a corrupção foram blindados por quem deveria combatê-los. Depois que o eleitor derrubou os escudos, a perversão de Bolsonaro virou um rabo escondido, com o elefante de fora.

Contra esse pano de fundo radioativo, a Polícia Federal deixou de tratar Bolsonaro como ex-presidente. Ele será interrogado na quinta-feira da semana que vem como chefe de uma organização criminosa. Virou freguês de caderneta dos os investigadores. Amarga sua quinta intimação. Dessa vez, responderá sobre duas perversões: a parceria miliciana com empresários para a difusão de mentiras e o comércio ilegal das joias dfa República. No caso das joias, prestarão depoimento simultaneamente os cúmplices fardados e civis.

Suicida didático, Bolsonaro facilitou o trabalho policial. Ele planejou metodicamente os seus erros. Transformou o mandato numa instalação desconstrutiva. Desgovernou o país movido por forças inconscientes e antagônicas. A retórica era patriótica e limpinha. A prática, golpista e corrupta. Blindado, convenceu-se de que sua invulnerabilidade o faria eterno no Planalto. Virou do avesso a lógica do acobertamento. Deixou um rastro pegajoso que conduz a Polícia Federal na sua excursão pelos porões do descalabro.

Qual o problema?”

Bolsonaro admitiu que enviou uma mensagem, na qual criticava ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao empresário Meyer Nigri.

“Eu mandei para o Meyer, qual o problema? O [ministro do Supremo Tribunal Federal e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral Luís Roberto] Barroso tinha falado no exterior [sobre a derrota da proposta do voto impresso na Câmara, em 2021], eu sempre fui um defensor do voto impresso”, disse Bolsonaro.

A PF vai ouvir Bolsonaro especificamente pela difusão do conteúdo associado a fake news, objeto de investigação no STF, para o qual pediu a Nigri para compartilhar. “Eu vou lá explicar”, disse o ex-capitão, sobre o depoimento marcado para o dia 31.

Bolsonaro tem expressado temores em relação a uma possível prisão pela Polícia Federal, embora continue afirmando não ter cometido qualquer crime. O ex-presidente está convencido de que, mesmo mantendo sua “inocência”, a “perseguição implacável” que enfrenta poderia eventualmente levá-lo à detenção. Essas informações foram trazidas pela coluna de Paulo Capelli, no Metrópoles.

“Quando o Brasil se torna uma Venezuela, qualquer coisa pode acontecer”, desabafou Bolsonaro em uma conversa com seus familiares.

Apesar disso, o ex-presidente acredita que o ministro Alexandre de Moraes não tomará nenhuma medida “apressada” ou desprovida de sólido embasamento, especialmente no que se refere à possibilidade de condenação por crimes alegados.

Bolsonaro está convencido de que apenas em caso de interferência direta nas investigações por parte dele próprio é que o STF consideraria medidas mais drásticas. Ele tem tomado precauções para evitar dar ao Judiciário qualquer motivo para tal interpretação.

De acordo com o colunista, os aliados do ex-presidente também estão destacando que a esquerda, que considera ter sido prejudicada pela Operação Lava Jato, parece estar “aplaudindo” o mesmo método que antes a atingiu. Para fundamentar essa alegação, eles citam prisões de assessores de Bolsonaro e a apreensão de celulares, ordenadas no âmbito de um inquérito que visa um suposto esquema fraudulento ligado aos cartões de vacinação.

Segundo essa perspectiva, as prisões estariam sendo usadas como pressão sobre os colaboradores do ex-capitão para que eles denunciem alegados crimes do ex-presidente. Já as apreensões teriam o objetivo de realizar uma análise profunda na busca por mensagens comprometedoras que se refiram a assuntos não relacionados à investigação inicial.

A defesa de Bolsonaro, por sua vez, recentemente passou a defender a ideia de que os presentes que ele recebeu durante seu mandato presidencial poderiam ser legalmente vendidos.

Os advogados mencionam uma portaria emitida durante o governo do ex-presidente Michel Temer, em novembro de 2018, que categorizava as joias como “bens personalíssimos”. As investigações sobre o suposto esquema continuam em andamento.


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