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Ataque de Jefferson entra na longa lista das agressões à PF sob Bolsonaro

Violência e fakenews bolsonarista leva embaixadores estrangeiros a ver repetição de Capitólio

Publicado em 25/10/2022 5:09 - Leonardo Sakamoto, Josias de Souza e Jamil Chade (UOL) - Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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O atentado do aliado de Jair Bolsonaro, Roberto Jefferson, a agentes da Polícia Federal, neste domingo (23), foi apenas mais um capítulo de uma longa lista de agressões às quais o atual governo sujeitou a instituição e seus trabalhadores – que viram sua independência ser reduzida em nome das necessidades de amigos e familiares do presidente.

Deve ser humilhante para policiais federais ver um aliado do presidente tendo tratamento VIP em sua prisão mesmo após disparar mais de 50 tiros de fuzil e lançar três granadas contra uma equipe que cumpria uma ordem do STF. O vídeo com Jefferson menosprezando, durante conversa amistosa com o negociador da PF, os policiais que foram feridos foi a cereja do bolo.

Um delegado chegou ao hospital com estilhaços no crânio e uma agente, que perdeu bastante sangue, foi atingida na bacia, na testa, na perna e nos braços. O presidente ainda mandou o ministro da Justiça dar uma mãozinha ao aliado no Rio, mas assessores conseguiram convencê-lo a ordenar a Anderson Torres não ir até a casa de Jefferson para não piorar a situação.

Vamos a alguns exemplos:

1) ‘Mão peluda’ do presidente na Polícia Federal

Em 24 de abril de 2020, o então ministro da Justiça Sergio Moro se demitiu acusando o presidente de ter interferido na PF, trocando o diretor-geral para tentar mudar o comando da instituição no Rio a fim de proteger aliados e familiares.

O vídeo da reunião ministerial em que ele explicitou isso foi revelado no mês seguinte: “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse Jair em um dos trechos.

Bolsonaro mudou mais a chefia da Polícia Federal do que Lula, Dilma e Temer juntos. Lembrando que eles perfazem 16 anos e Jair, quatro. O atual diretor-geral, Márcio Nunes de Oliveira, é o quinto no cargo. Antes dele, passaram pela cadeira Paulo Gustavo Maiurino, Rolando Alexandre de Souza, Maurício Valeixo e Rogério Galloro.

2) Acusações de remoção de policiais que cumpriam o seu dever

Não foram poucas as vezes que o governo Bolsonaro foi acusado de retirar delegados federais de suas funções porque estes estariam atrapalhando seus interesses ou os de seus aliados. Por exemplo, o delegado Alexandre Saraiva investigou o então ministro Ricardo Salles por envolvimento em crimes ambientais e, na sequência, foi exonerado da Superintendência da PF no Amazonas.

A delegada Silvia Fonseca, que comandava o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, ligado ao Ministério da Justiça, foi exonerada, em novembro de 2021, após dar prosseguimento ao processo de extradição do blogueiro Allan dos Santos.

No mês seguinte, foi a vez da exoneração da delegada Dominique de Castro de suas funções junto à Interpol. Ela foi responsável pela ordem de prisão de Allan dos Santos no exterior. O blogueiro bolsonarista havia sido alvo de pedido de preventiva emitido pelo Supremo Tribunal Federal. O “pecado” de ambas foi cumprir uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, visto por Bolsonaro como seu carrasco.

Hugo Correia, que chefiava a Superintendência da PF no Distrito Federal, onde corre um inquérito contra Jair Renan, filho do presidente, foi exonerado em outubro do ano passado.

3) Promessas foram feitas aos policiais, mas não cumpridas

Em meio às investigações por conta da sua responsabilidade no fracasso da gestão da pandemia de covid-19, Jair Bolsonaro prometeu, em dezembro passado, que R$ 1,7 bilhão do orçamento seria direcionado à reestruturação e recomposição das carreiras das forças de segurança da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Penal Federal.

A promessa, que visava a fazer média com os policiais, levou a outras categorias a pleitearem aumentos. Com o caos instalado, o presidente voltou atrás para evitar um efeito cascata. As associações que representam os policiais reclamaram.

“O não cumprimento do compromisso firmado publicamente pelo presidente da República Jair Bolsonaro é a representação máxima do que esse governo significou para a segurança pública e seus servidores: descaso, desprestígio e desvalorização”, disse comunicado assinado pelas associações que representam delegados e peritos em julho deste ano.

Recentemente, os policiais voltaram a chiar quando Bolsonaro vetou o artigo da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023 que garantiria a reestruturação e recomposição das carreiras. “Traidor” e “mentiroso” foram os termos mais suaves que a coluna ouviu de delegados da PF sobre isso.

O governo também prometeu que policiais federais teriam o mesmo tratamento que os militares na Reforma da Previdência, o que acabou não acontecendo. Pressionado, o governo editou decreto para equalizar parte dos direitos, mas representantes da categoria reclamam que tudo ainda está incerto.

Isso sem contar que este governo não terá dado um reajuste salarial aos servidores por quatro anos, diminuindo o poder de compra dos policiais em meio a um quadro de inflação galopante. Agora, Bolsonaro promete que dará um reajuste… se ganhar a eleição.

4) Bolsonaro pressiona PF para que diga que facada foi um complô

Após cuidadosa investigação, a PF apontou que Adélio Bispo de Oliveira agiu sozinho ao dar uma facada no então candidato Jair Bolsonaro, em setembro de 2018. O presidente criticou várias vezes a instituição por não trazer a identidade de um mandante, nem uma trama política por trás do atentado – o que seria útil para a sua narrativa mentirosa de que a esquerda tentou mata-lo.

Indignado pelos inquéritos apontarem para a ação de um lobo solitário, ele pressionou Valeixo e Moro, cobrando mais investigações sobre seu caso. Sobre uma reunião sobre isso entre eles, em junho de 2019, disse o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros na época: “o presidente entende que a PF tem total capacidade de, aprofundando as investigações, deliberar o mais rápido possível conclusões efetivas do caso”.

Adélio foi considerado inimputável por transtorno mental pela 3ª Vara da Justiça Federal em Juiz de Fora, mas está preso para “tratamento psiquiátrico” por tempo indeterminado. A PF já fez novas investigações, mas nada achou de novo. Bolsonaro continua pressionando a instituição para que diga outra coisa.

Jefferson faz Bolsonaro perder senso do ridículo

Forçado por Roberto Jefferson a entrar na reta final da corrida presidência com o pé esquerdo ferido por estilhaços de granada, Bolsonaro derrama baldes de saliva para se desvencilhar do aliado incômodo. “Tenho vários amigos pelo Brasil”, afirmou ao site Metrópoles, antes de perguntar: “Se algum fez besteira o que tenho a ver com isso?” Todo brasileiro de bem deve rezar para que presidente da República recupere a memória e o senso de ridículo.

Ao chamar a ministra Cármen Lúcia de “prostituta”, “arrombada” e “vagabunda”, Jefferson apenas imitou o comportamento de Bolsonaro na fase em que o presidente xingava Alexandre de Moraes de canalha e dizia que Luís Roberto Barroso é um filho da… —como dizer sem assustar as crianças— …filho daquele tipo de senhora que, tendo exercido a profissão de prostituta, seria incapaz de dizer quem é o pai do seu filho magistrado.

Ao resistir à ordem de prisão expedida por Alexandre de Moraes disparando granadas e tiros de fuzil contra policiais federais, Jefferson apenas revelou sua fidelidade ao slogan de Bolsonaro segundo o qual “o povo armado jamais será escravizado”. O dono do PTB, Partido Terrivelmente Bolsonarista, mantinha um arsenal em casa porque aproveitou todas as oportunidades que os decretos armamentistas de Bolsonaro proporcionaram.

É compreensível que Bolsonaro tente reduzir os danos que os estilhaços dos estilhaços produzidos por Jefferson causaram à sua candidatura. Mas o presidente exagera ao insinuar que não tem nada a ver com Jefferson. Em certas circunstâncias, nada é uma palavra que ultrapassa tudo.

Crise no Brasil leva embaixadores estrangeiros a ver repetição de Capitólio

O episódio de violência com o ex-deputado Roberto Jefferson, o uso desenfreado de desinformação e a hesitação de Jair Bolsonaro em defender as instituições voltam a acender o alerta de governos estrangeiros sobre o potencial caos que pode tomar conta do Brasil, no momento de definição da eleição presidencial no país.

Para alguns dos representantes estrangeiros, não está descartado um cenário de repetição dos incidentes nos EUA, quando apoiadores de Donald Trump invadiram o Capitólio.

O UOL apurou que embaixadas estrangeiras em Brasília têm reportado às suas capitais um clima de “tensão máxima” e apontam que a semana será decisiva. Alguns elementos chamaram a atenção: a capacidade de mobilização de apoiadores para situações de confronto com forças de ordem, a interferência do Executivo em assuntos que deveriam estar restritos à Justiça, os ataques ao STF e a influência decisiva das operações de desinformação.

Alguns desses pontos foram os ingredientes decisivos para os ataques contra o Congresso americano, em 6 de janeiro de 2021, e que chacoalharam com a democracia americana.

Diplomatas relataram à reportagem que, depois do final do primeiro turno, chamou a atenção a intensificação da ofensiva de desinformação, principalmente do lado bolsonarista. A esperança de que as instituições pudessem lidar com tal fenômeno se desfez diante da onda de mentiras que assolou as redes sociais.

Para governos estrangeiros, a eleição no Brasil é considerada em parte como fundamental para entender de que maneira as estratégias de desinformação avançaram e ganharam em sofisticação.

Se o cenário já era considerado como preocupante, duas fontes diferentes em embaixadas estrangeiras confirmaram que, diante do uso granadas e 20 tiros por parte de um aliado de Bolsonaro, além da decisão de mobilizar seus apoiadores, a preocupação de “caos” se confirmou.

Falando na condição de anonimato, um desses embaixadores estrangeiros apontou como o envio do ministro da Justiça para lidar com Jefferson revelou um “estranho” privilégio ao ex-deputado, concedido por Bolsonaro.

A avaliação dos governos estrangeiros é de que essa atitude não ajuda a convencer ao restante do mundo de que o Executivo não pretende fazer intervenções, sempre que necessário, em outros poderes.

Tampouco ajudaram as declarações de Bolsonaro contra o Judiciário, assim como o ataque do vice-presidente Hamilton Mourão, de que tal situação com Jefferson “acontece porque o sistema de freios e contrapesos não está funcionando”.

Na imprensa estrangeira, os acontecimentos do fim de semana envolvendo um aliado de Bolsonaro – no caso, Roberto Jefferson – também foram apresentados como um sinal preocupante do potencial de violência política. Na ONU e na OEA, declarações públicas se repetiram nas últimas semanas, apelando aos candidatos no Brasil a não incentivar a violência e para que abandonassem o discurso de ódio.

Coordenação reforçada

Enquanto a crise política nacional ganha novos contornos, governos estrangeiros confirmaram que intensificaram os contatos entre capitais europeias e na América do Norte para que, de forma coordenada, atuem para não deixar espaço para um limbo político no Brasil.

A estratégia será a de reconhecer, quase que imediatamente após o anúncio do TSE, o resultado chancelado pela autoridade eleitoral no Brasil.

Tal medida foi adotada pelos europeus para frear qualquer avanço de Donald Trump, em sua tese de que a eleição teria sido fraudada nos EUA. Agora, no caso brasileiro, americanos e europeus querem repetir a estratégia na esperança de dar uma sinalização clara de que um questionamento não terá respaldo internacional.

O entusiasmo dos observadores internacionais que estiveram no primeiro turno com o profissionalismo do TSE e a fiabilidade das urnas também fortaleceu a percepção das embaixadas estrangeiras de que poderão adotar a estratégia de reconhecimento dos resultados, sem prejuízo para sua própria reputação.

As missões da OEA e do Mercosul aplaudiram a organização do primeiro turno das eleições, insistindo para a segurança das urnas eletrônicas, questionadas pelo bolsonarismo.


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