06/07/2024 - Edição 550

Poder

As peripécias econômicas de Carlos Bolsonaro

MP mostra que o filho mais problemático do ex-presidente tinha contas pagas por chefe de gabinete e operava largamente com dinheiro vivo

Publicado em 03/07/2024 10:35 - Juliana Dal Piva e Igor Mello – Edição Semana On

Divulgação Câmara Municipal do Rio de Janeiro/Divulgação

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Relatórios da investigação do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) sobre o esquema de rachadinha no gabinete de Carlos Bolsonaro, filho 02 do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) mostram que na análise bancária do vereador e de seus funcionários foi verificado que o chefe de gabinete de Carlos, Jorge Luiz Fernandes, pagou sistematicamente boletos de suas despesas, como faturas de cartão de crédito, plano de saúde, impostos e multas de trânsito.

Foram encontrados 23 contas do vereador e de pessoas ligadas a ele pagas por Fernandes entre 2012 e 2019, que somam um total R$ 27.929,66. Ao mesmo tempo, só foi identificado uma transferência online de R$ 8 mil de Carlos para Jorge em dezembro de 2011.

O Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro e Corrupção do MP-RJ analisou por amostragem esse tipo de movimentação financeira — sorteando aleatoriamente um número de documentos. Isso significa que o número pode ser ainda superior.

O chefe de gabinete é investigado por ser supostamente o operador do esquema de rachadinha de Carlos Bolsonaro. De acordo com a quebra de sigilos, ele recebeu pouco mais de R$ 2 milhões em sua conta de seis outros nomeados por Carlos Bolsonaro na Câmara.

A prática costuma ser apontada como um indício de lavagem de dinheiro. A coluna tentou contato com a defesa do vereador, mas não conseguiu retorno até a conclusão desta reportagem.

A 1ª Vara Criminal Especializada do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) autorizou a quebra de sigilos fiscal e bancário de Carlos Bolsonaro e de seus assessores entre 2005 e 2021. A 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada apura peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete de Carlos e pediu uma análise dos dados obtidos. O relatório obtido pela coluna é de 22 de agosto de 2023.

Carlos Bolsonaro acessou cofre em banco antes de pagar imóvel com dinheiro 

Carlos Bolsonaro acessou um cofre que ele possuía em um agência do Banco do Brasil (BB), no centro do Rio, menos de três horas antes de efetuar um depósito com dinheiro vivo na boca do caixa para pagar um apartamento que ele adquiriu no bairro de Copacabana, na zona sul. É o que revela um laudo do Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro e Corrupção do MP-RJ, obtido pela coluna com exclusividade. A coluna procurou a defesa de Carlos, mas não obteve retorno até a conclusão da reportagem.

O valor declarado em cartório para a transação foi de R$ 70 mil. O imóvel foi comprado por um valor muito abaixo do mercado. O apartamento, um apart-hotel, tinha sido avaliado pela prefeitura do Rio, para fins de cobrança de impostos, em R$ 236 mil, à época.

Na escritura do imóvel consta que Carlos efetuou o pagamento por meio de transferência bancária, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo em 2020. No entanto, ao analisar as contas bancárias do vereador, o MP não identificou nenhuma transferência bancária.

No extrato bancário de Carlos, consta um débito no valor de R$ 60 mil, cujo lançamento foi identificado como “pagtos diversos autorizados”.

Para atingir saldo suficiente para a transação, Carlos já havia recebido um depósito de R$ 10 mil, em espécie, dias antes.

No dia 20 de março, data em que o pagamento do imóvel foi feito, consta um novo crédito, dessa vez de R$ 31.687,05, identificado como “resgate poupança” – o relatório não indica de qual conta teriam vindo esses recursos, nem se ela pertencia ao vereador.

Após analisar as transações, os investigadores pediram mais informações ao Banco do Brasil e foram informados de que Carlos tinha feito um depósito em dinheiro vivo, na boca do caixa, para uma conta que consta em nome do vendedor.

O documento relata que “a título de informação, este depósito de R$ 60 mil, cuja origem se deu no saldo da conta Banco do Brasil, foi efetuado na boca do caixa às 14h40min”, duas horas e quarenta minutos depois que Carlos esteve no cofre. Não foi encontrado nenhum outro pagamento da conta de Carlos ao vendedor para totalizar os R$ 70 mil declarados em escritura de compra e venda e também na declaração de imposto de renda do vereador.

Ao mesmo tempo, os investigadores apontam que o depósito em espécie para o vendedor, no total de R$ 60 mil, foi feito em uma agência do BB que fica a 500 metros de onde Carlos mantinha o cofre — ambos os endereços são vizinhos à Câmara dos Vereadores do Rio.

A perícia do MP destaca a ida ao cofre poucas horas antes da transação: “Ademais, com base nas informações constantes no Contrato de Locação de Cofre, Carlos Bolsonaro no mesmo dia 20/03/2009 esteve na agência 0001-9 Rio (Rua Lélio Gama, 105 — Centro) e acessou o seu cofre n.º 225 entre os horários de 11h48min a 12h”, completa o documento. Carlos já havia mexido no cofre dois dias antes, em 18 de março.

Carlos Bolsonaro mexia em cofre com frequência

Ao verificar os dados sobre o cofre de Carlos, o MP descobriu que ele possuiu o mesmo a partir de 24 de novembro de 2004, no fim de seu primeiro mandato como vereador. “Foi contratado cofre grande, de n.º 225, contendo 02 caixas de tamanho 22,9 X 22,9 X 54,0”, registra o documento. O vereador possuía o cofre em conjunto com outra pessoa. O nome dela, porém, foi tarjado dos documentos. Na ocasião da abertura do cofre, o valor declarado foi de R$ 20 mil. Carlos teve o cofre até 10 de outubro de 2016.

Nos documentos encaminhados pelo Banco do Brasil, o MP também obteve o “Cartão de Controle” e o “Controle de Frequência de acesso ao Cofre nº 225” que contém data e hora de entrada e saída dos locatários. “Carlos Bolsonaro, por vezes, realizou pelo menos um ou mais acessos por mês, fato este que despertou a atenção deste Laboratório, uma vez que cofres bancários, usualmente, se destinam à guarda de joias, metais preciosos, documentos, além de grandes somas em dinheiro”, apontou o MP.

Em 2020, o jornal Folha de S. Paulo revelou que Carlos tinha um cofre no BB e apontou que ele não declarou os valores que guardava ali para a Justiça Eleitoral, em 2008. Em 2009, o vereador pagou R$ 15,5 mil, também em dinheiro vivo, para cobrir um prejuízo que obteve em uma operação na bolsa de valores.

A 1ª Vara Criminal Especializada do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) autorizou a quebra de sigilos fiscal e bancário de Carlos Bolsonaro e de seus assessores entre 2005 e 2021. A 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada apura peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete de Carlos e pediu uma análise dos dados obtidos. O relatório obtido pela coluna é de 22 de agosto de 2023.

Carluxo não pagou plano de saúde com a própria conta por 9 anos, diz MP

A investigação mostra também que Carluxo só pagou um boleto de plano de saúde com sua conta bancária em nove anos de contratação desse tipo de serviço.

Existe suspeita de que os pagamentos possam ter sido feitos em espécie com dinheiro oriundo de rachadinha. O mesmo se verificou no caso do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A coluna tentou contato com a defesa do vereador, mas não conseguiu retorno até a conclusão desta reportagem.

A análise aponta que Carlos Bolsonaro teve contratos ativos com duas operadoras entre 2011 e 2020 — a Qualicorp e a Unimed. O único pagamento encontrado ocorreu em dezembro de 2014, em uma fatura de R$ 545,97.

No documento, os analistas escrevem que “diante desta informação e com base na análise dos títulos de cobrança pagos, indicados nos extratos bancários de Carlos Bolsonaro, que tiveram o “nome_pessoa_od” (beneficiário) identificado pelas instituições financeiras, foi constatado somente 01 pagamento de boleto em 18/12/2014 no valor de R$ 545,97, cujo cedente foi Qualicorp Administradora de Benefícios”.

Como a coluna revelou, o MP constatou que o chefe de gabinete de Carlos, Jorge Fernandes, sistematicamente pagava as despesas pessoais do chefe. Em um trabalho de amostragem, o relatório encontrou 23 pagamentos entre 2012 e 2019. É mencionado ainda um pagamento para a Unimed, dessa vez feito pela esposa de Jorge Fernandes, Regina Celia Sobral Fernandes. Ela também era nomeada no gabinete de Carlos Bolsonaro e devolveu ao marido, apontado como operador da rachadinha, um total de R$ 832,4 mil.

Regina pagou R$ 954,48 para a operadora de saúde suplementar em novembro de 2018, segundo os dados obtidos pelo MP.

Peritos do MP veem possível crime de peculato

Diante dos fatos, os peritos do MP sugerem ao promotor responsável pela investigação que sejam requisitados os dados detalhados de pagamentos de plano de saúde à Qualicorp e à Unimed.

“Em se tratando de suposta prática do crime de peculato, caso o Promotor de Justiça entenda necessário para análise dos gastos declarados pelo investigado com plano privado de saúde, sugere-se que sejam oficiadas as pessoas jurídicas Qualicorp Administradora de Benefícios (CNPJ n.º 07.658.098/0001-18) e Unimed (CNPJ n.º 42.163.881/0001-01) para que informem se o investigado Carlos Nantes Bolsonaro (CPF n.º 096.792.087-61) possuiu de fato vínculo contratual de plano privado de saúde com as respectivas pessoas jurídicas, informando, ainda, o período contratual, as datas dos pagamentos, os valores pagos mensalmente e o banco responsável pela emissão dos boletos”, conclui o relatório.

O modus operandi é similar ao encontrado na investigação da rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), outro membro da família envolvido em denúncias de corrupção. No caso de Flávio, as despesas de sua família eram pagas pelo assessor Fabrício Queiroz — muitas vezes em dinheiro vivo na boca do caixa.

Além de despesas pessoais como plano de saúde e escola das filhas, Flávio também terceirizou o pagamento das prestações de 12 salas comerciais que adquiriu em 2008. Entre 2008 e 2009, o hoje senador quitou R$ 297 mil da compra dos imóveis, mas nada passou por sua conta bancária.

A 1ª Vara Criminal Especializada do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) autorizou a quebra de sigilos fiscal e bancário de Carlos Bolsonaro e de seus assessores entre 2005 e 2021. A 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada apura peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete de Carlos e pediu uma análise dos dados obtidos. O relatório obtido pela coluna é de 22 de agosto de 2023.


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