10/09/2024 - Edição 550

Poder

Ao julgar suspensão de plataforma digital, Nunes Marques mostrará se deve algo a Bolsonaro

Bilionário assume apoio a golpismo bolsonarista e prova que Moraes tinha razão

Publicado em 03/09/2024 10:36 - Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL) – Edição Semana On

Divulgação STF

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Os deuses que regem o processo de sorteio de relatores de ações no Supremo Tribunal Federal resolveram colocar fogo no parquinho ao escolherem Kassio Nunes Marques para analisar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra a decisão de Alexandre de Moraes que suspendeu o X no país. Com isso, o ministro terá a possibilidade de mostrar se ainda deve algo a Jair Bolsonaro, que o indicou à cadeira.

A decisão de Moraes foi confirmada, na segunda (2), por unanimidade, pelos cinco votos da Primeira Turma do STF em plenário virtual. Nunes Marques é da Segunda Turma, portanto, não votou. Ele pode tomar uma decisão monocrática, enviar para o plenário ou tomar uma decisão e enviar para o plenário.

Se decidir que o partido Novo, que protocolou a ADPF, tem razão, ou seja, que a decisão de Moraes foi inconstitucional por ter batido de frente com a liberdade de expressão, o devido processo legal e a proporcionalidade, a rede volta ao ar.

Se encaminhar ao plenário, certamente a decisão de Moraes será chancelada pelo coletivo, lembrando que ela já tem cinco votos da Primeira Turma e precisaria de apenas mais um para ter maioria.

“Uma decisão de Nunes Marques removendo a suspensão do X seria grave porque já não significaria apenas derrubar uma decisão de Moraes, mas uma decisão colegiada da turma”, explicou à coluna a constitucionalista Eloísa Machado, professora da FGV Direito-SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta.

“Não existe ação contra decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal que não seja a revisão pelo colegiado. O controle de decisões é feita pelo colegiado. Mas, há alguns anos, inaugurou-se uma nova porta, de se admitir a ADPF para questionar, inclusive, atos de ministros”, avalia. Ironicamente, o precedente foi aberto no inquérito das fake news.

Na avaliação dela, mesmo se Nunes Marques der uma decisão liminar, certamente o plenário vai querer se manifestar em relação a isso. “E os outros ministros têm ferramentas para constranger os colegas a liberarem a medida para referendo coletivo. E, nesse caso, ficaria isolado e perderia”, diz.

Ou seja, o X/Twitter pode voltar e ser derrubado de novo, o que seria ruim para a imagem do próprio STF, mas bom para o bolsonarismo – que está organizando para 7 de setembro atos pelo impeachment de Alexandre de Moraes e de apoio à anistia dos golpistas condenados pelo 8 de janeiro de 2023.

“Nunes Marques, em ações relevantes para a defesa da democracia, pareceu se aliar aos interesses de Bolsonaro, que o indicou ao Supremo”, avalia Eloísa Machado.

A professora foi comedida em seu comentário. A bem dos fatos, o ministro Nunes Marques já mostrou que não tem compromisso pleno com a agenda de defesa das instituições democráticas.

Um dos exemplos é a liminar que ele concedeu ao deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União Brasil), suspendendo a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que cassou o seu mandato por divulgar fake news contra o sistema eleitoral, em junho de 2022. A Segunda Turma do STF derrubou a decisão dele na semana seguinte, o que provocou constrangimento na corte.

O cenário é diferente agora porque Bolsonaro não apenas é ex-presidente, mas também foi condenado e tornado inelegível pelo TSE. E o plenário também já mostrou que derruba decisões de Kassio Nunes Marques sem cerimônia. Resta saber se o ministro Nunes Marques ainda acha que deve algo ao presidente para comprar briga com os colegas após a decisão unânime da Primeira Turma.

Ação contra suspensão da rede X cai na mesa do ministro ‘10%’

O sistema eletrônico de distribuição processual do Supremo Tribunal Federal jogou água no chope de Alexandre de Moraes. Por uma trapaça do algoritmo, o ministro Nunes Marques foi sorteado como relator da ação movida pelo Partido Novo contra a suspensão da rede X no Brasil.

Moraes mal teve tempo de celebrar o aval unânime da Primeira Turma à sua decisão e a encrenca volta à ribalta. É improvável que Nunes Marques recoloque a plataforma de Elon Musk no ar com uma canetada. Mas, se quiser, o ministro pode acionar o seu bolsonarisamo para expor em público uma trinca visível apenas nos bastidores do Supremo. Bastaria levar o recurso do Novo ao plenário.

Não foi casual a decisão de Moraes de submeter sua decisão à Primeira Turma, com cinco membros, em vez de buscar o aval do plenário da Corte, com seus onze integrantes. Na turma, a unanimidade era certa. No plenário, farejavam-se uma ou duas defecções.

Bolsonaro dispensou os pudores quando se referiu a Nunes Marques como “10% de mim dentro do Supremo”. Com a toga sobre os ombros, o ministro que o bolsonarismo trata como gorjeta teria agora a oportunidade de deixar seu padrinho 100% satisfeito.

Ao indicar André Mendonça, Bolsonaro refez sua conta: “Tem dois ministros que representam 20% daquilo que gostaríamos que fosse decidido e votado”, disse o capitão na época. Tropeçou na matemática, pois os dois indicados valem 18% da Corte. Mas imagina não ter errado no prognóstico. Espera que, no embate com o X, seu escolhido se revele terrivelmente vassalo.

Musk assume apoio a golpismo bolsonarista e prova que Moraes tinha razão

Elon Musk resolveu facilitar a vida dos brasileiros que não estão entendendo muito bem a barafunda estabelecida entre o X/Twitter e o Supremo Tribunal Federal, mostrando que o ministro Alexandre de Moraes têm razão em sua decisão de suspender a rede.

O empresário vem destacando publicações bolsonaristas que promovem os atos golpistas previstos para o próximo 7 de setembro. As postagens de Musk foram lidas por correspondentes da Folha de S.Paulo, que estão fora do país e, portanto, têm acesso às contas.

Mais do que uma provocação, é ataque às instituições de outro país. E isso estava na gênese da situação que levou à suspensão do X/Twitter: a negativa de cumprir tanto a lei (que obriga uma representação legal das plataformas no Brasil) quanto decisões judiciais (que exigiram a retirada de conteúdo relacionado ao golpismo e ao ódio às instituições).

Musk despiu-se da fantasia de arauto da democracia. Antes, ele ainda se vendia como defensor da liberdade – na verdade, da sua liberdade de decidir que leis e países quer obedecer, pois pergunte a Xi Jinping o que aconteceria com a Tesla na China se Musk tratasse o país como o trata o Brasil. Agora, além da desobediência, resolveu partir para a ação direta.

O ex-presidente Bolsonaro e aliados estão organizando micaretas da extrema direita na avenida Paulista e em outro locais do país. Entre as pautas principais, a exigência de anistia para os golpistas de 8 de janeiro de 2023 (o que abre caminho para anistiar o próprio Jair no futuro) e o impeachment de Alexandre de Moraes – que está à frente do inquérito sobre os atos golpistas, entre outros.

Vale lembrar que manifestação que defende golpista é golpista também.

Além disso, Musk ameaçou Lula afirmando que se o Brasil não liberar as contas do X/Twitter e da Starlink, bloqueadas para pagar as multas milionárias, ele irá buscar a apreensão de ativos do governo brasileiro. Deu a entender que pode deixar o petista sem o seu avião presidencial.

Bravata tosca. Primeiro, o Poder Executivo não tem nada a ver com a história; segundo, os Estados Unidos não contam com nenhuma sanção contra o Brasil, como a Venezuela de Nicolás Maduro, que teve um avião apreendido; terceiro, o Brasil é país amigo dos EUA, que têm investimentos e interesses comerciais por aqui muito, mas muito maiores do que o X/Twitter e a Starlink; quarto, é difícil imaginar sanção como em um governo Trump, imagine em um Joe Biden e Kamala Harris que Musk ataca constantemente.

A ameaça ao governo não vai tirar o sono da diplomacia brasileira, mas pode ajudar na mobilização para as micaretas de 7 de setembro.

Hoje, o ministro Flávio Dino mandou um recado aos proprietários de Big Techs em seu voto no STF para manter a suspensão do X. Na avaliação da constitucionalista Eloísa Machado, professora da FGV Direito SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta, o recado é que “Elon Musk está usando sim a sua influência, o seu poder e o seu dinheiro para corromper o Estado Democrático de Direito no Brasil”.

A decisão liminar de Moraes foi ratificada por unanimidade pelos cinco ministros da Primeira Turma do STF na segunda (2).

“Ao afirmar em seu voto que ‘o poder econômico e o tamanho da conta bancária não fazem nascer uma esdrúxula imunidade de jurisdição’, Dino não diz apenas que o cara ser rico não pode interferir em como o tribunal decide. Ele aponta que há uma percepção no STF de que o dono do X agia dessa forma e que, se nada fosse feito, a democracia seria atropelada”, avalia Machado.

Para ela, na questão mais ampla, Dino trata de uma concepção de Estado que está sendo fragilizado pelas grandes empresas de tecnologia. “Há um deslocamento de poder do espaço do direito e da legalidade para as plataformas digitais. Nesse sentido, o voto do Dino é um grito de sobrevivência do Estado de Direito e das instituições públicas frente às forças que usam o seu peso econômico para uma cruzada contra um país.”

Musk quer ser o principal influenciador da extrema direita global. E, para tanto, vai usando a democracia como justificativa para destruir a democracia.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *