04/10/2024 - Edição 550

Mato Grosso do Sul

Indígena de 18 anos é morto a tiros em confronto com a polícia em Antônio João

Governo do Estado se reuniu com integrantes da Segurança Pública para esclarecimentos sobre o caso

Publicado em 18/09/2024 2:35 - Semana On

Divulgação CIMI

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Novos confrontos entre a comunidade indígena Nhanderu Marangatu e tropas de choque ocorreram nas primeiras horas da manhã desta quarta-feira (18), em Antônio João. Um jovem indígena de 18 anos, identificado como Neri Guarani Kaiowá, morreu durante o embate.

Entidades indigenistas, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Aty Guasu, divulgaram vídeos e imagens que mostram a movimentação na comunidade. Essas organizações afirmam que os indígenas foram atacados pela tropa de choque. Por outro lado, fontes ligadas à polícia alegam que um grupo de indígenas armados investiu contra a equipe policial.

Os conflitos na região têm ocorrido desde o início do mês. Indígenas teriam incendiado uma ponte, deixando policiais militares ilhados. Até o momento, a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul e a Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) não emitiram notas oficiais sobre o incidente.

Em outro desdobramento, uma indígena de 32 anos foi ferida a tiros durante confronto com a Polícia Militar na região da fazenda Barra Mansa. Ela está internada desde quinta-feira (12) no hospital de Ponta Porã e corre o risco de perder a perna. Segundo o Cimi, a cirurgia está marcada para esta quinta-feira.

Durante o conflito na fazenda Barra Mansa, os indígenas teriam incendiado uma ponte, e os policiais utilizaram balas de borracha para impedir a entrada na propriedade. Dois indígenas foram presos na ocasião, mas foram liberados no domingo (15), conforme informações do Cimi.

O comandante da Polícia Militar de Ponta Porã e mais três policiais ficaram ilhados após a queima da ponte. Equipes do Batalhão de Choque foram enviadas para auxiliar na situação. Inicialmente, houve relatos de que os policiais teriam sido feitos reféns, mas essas informações foram posteriormente esclarecidas.

O proprietário da fazenda Barra Mansa registrou um boletim de ocorrência no dia 10 de setembro, alegando que sua propriedade estava sendo incendiada de forma criminosa por alguns indígenas.

Apib alertou STF sobre a necessidade de medidas diante da violência da PM contra os Guarani Kaiowá

Em agosto de 2023, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) conseguiu que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecesse uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) sobre a violência da Polícia Militar contra o povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul.

A ação, após o reconhecimento da Corte Suprema, passou a ser a ADPF 1059, e foi distribuída para o ministro Gilmar Mendes. Sem a deliberação da Corte Suprema até o momento, os episódios que motivaram o ingresso da ADPF, caso do Massacre do Guapo’y, em junho de 2022, voltam a se repetir na Terra Indígena Nhanderu Marangatu, com a morte de Neri Guarani e Kaiowá nesta quarta-feira (18).

Entre as propostas levadas ao STF pela ADPF, a Apib pede que “seja concedida uma medida cautelar e que a secretaria de segurança pública elabore um plano de enfrentamento à violência policial”. A ADPF também propõe a instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança com o devido armazenamento digital dos arquivos.

A ADPF pede ainda a elaboração de um plano, no prazo máximo de 90 dias, visando o controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança. O plano deve conter medidas voltadas à melhoria do treinamento dos policiais, protocolos públicos de abordagem policial e busca pessoal e prever a participação de lideranças das comunidades afetadas em todo o processo de elaboração do plano.

Na ocasião, a Apib ressaltou que “operações sem mandado judicial é prática comum por parte da segurança pública do Mato Grosso do Sul, onde a PM realiza operações sem considerar determinações legais e opera como milícia privada dos fazendeiros da região. O documento também aponta que as operações nos territórios ancestrais ocorrem sem a presença de um representante da União ou da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas)”.

PM em Nhanderu Marangatu 

Manifestação contrária do STF à presença da PM do Mato Grosso do Sul em terras indígenas poderia ter evitado a morte de Neri Guarani e Kaiowá na manhã desta quarta (18), em Nhanderu Marangatu. Conforme as assessorias jurídicas da Apib e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a PM tem atuado nas terras indígenas como segurança privada de fazendeiros, além de promover despejos forçados sem a necessidade de decisão judicial.

Para piorar, a PM tem feito parte de uma ‘ação entre amigos’. A assessora Especial da Casa Civil do Governo Estadual do Mato Grosso do Sul, a advogada ruralista Luana Ruiz é também a advogada da ação deferida pela Justiça Federal de Ponta Porã que determina a proteção da Fazenda Barra, sobreposta à TI Nhanderu Marangatu, palco da violência que vitimou de maneira fatal Neri Guarani e Kaiowá.

Luana é também filha de Roseli Ruiz e Pio Queiroz Silva, autores da ação e proprietários da Fazenda Barra. De tal maneira que a Justiça Federal autorizou a polícia estadual, cujo chefe é o governador do Estado, Eduardo Riedel, a servir como segurança privada da fazenda da família da assessora da Casa Civil. Conforme os advogados, justamente para evitar tais enlaces políticos regionais que a atuação em áreas indígenas deve ser prioridade da Polícia Federal e da Força Nacional.

Governador pede esclarecimentos

O governador Eduardo Riedel realizou uma reunião com integrantes da Segurança Pública do Mato Grosso do Sul para esclarecimentos sobre o caso.

O secretário estadual de Segurança Pública, Antônio Carlos Videira, esclareceu que os policiais militares que estão no local (100 homens) cumprem ordem judicial (da Justiça Federal) para manter a ordem e segurança na propriedade rural (Fazenda Barra), assim como permitir o ir e vir das pessoas entre a rodovia e a sede da fazenda. O conflito na região se arrasta há anos, no entanto a situação se acirrou nos últimos dias.

Segundo a Polícia Militar, além da disputa por terra, também foi apurado pela inteligência policial que há interesses de facções criminosas relacionadas ao tráfico de drogas, já que há diversas plantações de maconha próximas a fazenda, do lado paraguaio, pois a região está na fronteira entre os dois países.

As equipes de perícia já estão no local da morte para devida identificação e apuração dos fatos. Foram apreendidas armas de fogo com o grupo de indígenas que tentava invadir a propriedade e todo este material será coletado para formação de um relatório que será entregue em Brasília.


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