Mato Grosso do Sul
Funai forma grupo técnico para demarcação da Terra Indígena Apyka’i
Publicado em 09/10/2024 9:31 - Loraine França e Cristina Ramos (G1MS), Semana On – Edição Semana On
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Indígenas de nove aldeias protestaram ontem (8) em Miranda, no Mato Grosso do Sul, contra áudio disseminado em aplicativo de mensagem que traz comentários ofensivos sobre os povos originários.
Cerca de 400 pessoas, entre elas lideranças, jovens, mulheres, crianças e idosos, em grande parte da etnia Terena, se reuniram na Praça Agenor Carrilho, no centro da cidade, após considerarem o teor da mensagem como crime de racismo.
No áudio, uma moradora do município comenta o resultado das eleições municipais com uma segunda pessoa e rotula os indígenas como “traíras”.
“Você dá cinco quilos de arroz, o outro vai lá e dá seis quilos, ele [o índígena] vira [o voto] na hora”, comenta.
A mulher, que se identifica como Vera, utiliza outros termos ofensivos para se referir aos indígenas, indicando, inclusive, ações de violência contra essa população.
“Eu tenho nojo, eu sou índia, mas eu tenho nojo de bugre. Esses bugres tinham que amarrar um por um pelo pescoço e pendurar”.
Os manifestantes percorreram as ruas da cidade com cartazes pedindo por justiça e registraram o caso na delegacia da Polícia Civil. A Fundação Nacional dos Povos Originários (Funai) também foi comunicada.
“Nós vamos abrir um inquérito contra essa senhora para que ela possa responder o seu ato dentro da lei”, afirmou o chefe regional da Funai em Campo Grande, Elvisclei Polidório.
O cacique da aldeia Argola, Edelson Antônio, repudiou a atitude da mulher. “Registramos boletim de ocorrência por causa do ato criminoso que discriminou nossa comunidade indígena”.
O delegado da Polícia Civil de Miranda, Daniel Dantas, confirmou que o caso foi registrado como racismo qualificado e será encaminhado para a Polícia Federal.
“A comunidade indígena como um todo foi alvo do discurso preconceituoso da autora. Não teve uma vítima individualizada como seria o caso de uma injúria racial”, explica o delegado sobre a federalização do caso.
Arrependimento
Um segundo áudio gravado pela mulher traz relato em que afirma estar arrependida sobre a discriminação cometida contra os povos originários.
“Estou muito mal desde ontem, estava tomando uma cerveja e o calor da emoção falou mais alto”, comenta.
Ela disse que está sendo ameaçada e recebendo ligações.
O chefe da Funai fez um apelo à comunidade indígena para que não pratique ofensa ou agressão contra a mulher.
População indígena
Mato Grosso do Sul tem a terceira maior população indígena do país, ficando atrás de Roraima e Amazonas, conforme dados do Censo 2022 do IBGE. No estado, 116 mil habitantes são indígenas das etnias Guarani, Guarani Kaiowá, Guarani Nhandeva, Guató, Kadiwéu, Kinikinau e Terena.
Em Miranda, município localizado a 208 quilômetros da capital do estado, são encontradas as etnias Terena e Kinikinau, localizadas nas aldeias Argola, Morrinho, Cachoeirinha, Lagoinha, Babaçu, Moreira, Passarinho, Lalima e Mãe Terra.
Damiana Cavanha (azul), morreu em novembro de 2023, sendo conhecida pela luta dos guarani-kaiowá (Foto: Reprodução/Cimi/Ruy Sposati)
Funai forma grupo técnico para demarcação da Terra Indígena Apyka’i
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) instituiu, por meio de uma portaria publicada hoje no Diário Oficial da União, um grupo técnico para realizar estudos complementares com o objetivo de consolidar o relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena (TI) Apyka’i, localizada em Dourados, Mato Grosso do Sul, a 251 km de Campo Grande. O território, que carrega um profundo simbolismo de luta e resistência, é reivindicado pela comunidade guarani-kaiowá desde a década de 1980.
A portaria, assinada por Mislene Metchacuna Martins Mendes, que está na presidência interina da Funai, estabelece um prazo de 180 dias para a entrega do relatório final. O documento será fundamental para o avanço no processo de demarcação da terra, uma demanda histórica da comunidade indígena local.
A líder guarani-kaiowá Damiana Cavanha, conhecida por sua atuação como rezadeira e defensora incansável da demarcação da Apyka’i, tornou-se símbolo dessa luta. Desde os anos 1980, sua família reivindicava a posse do território, mas sofreu sucessivas expulsões por fazendeiros da região, o que os levou a viver em condições precárias. Barracos improvisados às margens da BR-463, perto das plantações de cana-de-açúcar, tornaram-se o abrigo temporário de Damiana e de outros indígenas ao longo das décadas.
Apyka’i, cujo nome guarani significa “banquinho”, faz referência a um lugar de descanso e contemplação, mas sua realidade é marcada por conflitos e desalojamentos. Mesmo após anos de batalhas judiciais e tentativas de retorno ao território ancestral, os guarani-kaiowá continuaram sem ver suas terras demarcadas.
Em 2016, a comunidade foi novamente despejada de seus barracos, por ordem judicial. As condições de vida deterioradas, sem acesso a saneamento básico ou energia elétrica, simbolizam a negligência histórica com a qual povos indígenas no Brasil, especialmente os guarani-kaiowá, foram tratados.
Damiana Cavanha faleceu em novembro de 2023, aos 83 anos, sem testemunhar a demarcação de sua terra, uma derrota pessoal, mas também um alerta para a urgência de resolução dos conflitos agrários que envolvem os povos indígenas no país.
Composição do grupo técnico
O grupo encarregado de realizar os estudos técnicos será liderado pela engenheira agrônoma Maila Terra Goia, contando ainda com o apoio do engenheiro agrônomo Lucas Soares Braga e do biólogo e antropólogo Felipe Vianna Mourão Almeida. Representantes do estado do Mato Grosso do Sul também integram a equipe, entre eles Viviane Luiza da Silva, secretária-adjunta Estadual de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania, e Vinícius Spindola Campelo, procurador-geral do Estado. Além disso, participam do grupo o subsecretário Estadual de Cidadania, Fernando da Silva Souza, e os servidores municipais Ênio Alencar da Silva e Samir Paschoal, que contribuirão nas áreas de geografia e topografia.
O estudo promete ser um passo significativo na trajetória de reconhecimento territorial da TI Apyka’i, que até o momento, segundo o site da Funai, possui apenas 13% do processo de identificação concluído.
A demarcação da Terra Indígena Apyka’i é vista não apenas como uma questão de justiça histórica para os guarani-kaiowá, mas também como
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