04/12/2023 - Edição 525

Entrevista

Israel declarou ‘punição coletiva’ ao povo de Gaza, diz liderança palestina

Um dos mais conhecidos políticos palestinos, o médico Mustafa Barghouti lamenta civis feridos de ambos os lados. Ele não é simpático ao Hamas, mas menos ainda ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu

Publicado em 10/10/2023 9:53 - Leonardo Sakamoto - UOL

Divulgação Reprodução

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Um dos mais conhecidos políticos palestinos, o médico Mustafa Barghouti lamenta civis feridos, tanto palestinos quanto israelenses. E não é simpático ao Hamas, mas menos ainda ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Em resposta ao ataque do grupo extremista, que deixou centenas de mortos em Israel, o governo extremista bloqueou alimentos, medicamentos e energia à Gaza, bombardeou o território e prepara sua invasão.

Em entrevista à coluna a partir da Cisjordânia, onde vive, Barghouti, secretário-geral do partido político Iniciativa Nacional Palestina e membro tanto do parlamento palestino quanto do conselho da Organização para a Libertação da Palestina, acusa Israel de declarar guerra a pessoas que estão sob sua ocupação. O que, segundo ele, nunca aconteceu na história.

Acredita que há dois caminhos: um que aceite troca de prisioneiros e cessar-fogo, abrindo um diálogo para a saída de Israel dos territórios ocupados; e outro em que o governo israelense tente “esmagar completamente Gaza e a causa palestina”, não só como resposta aos ataques do Hamas, mas também para esconder crises internas.

Lembrando que já se encontrou várias vezes com Lula, tendo visitado inclusive o Brasil para participar de edições do Fórum Social Mundial, afirma que o petista conhece a causa palestina muito bem. “Não sei se o presidente Lula ou o governo brasileiro já se pronunciaram, mas espero que condenem esses ataques a Gaza o mais rapidamente possível”, afirma.

 

Como o senhor avalia a situação neste momento?

Estamos muito preocupados com a situação em Gaza porque Israel está fazendo toda a população de lá, 2,2 milhões de pessoas, como reféns. Eles acabaram de decidir declarar guerra às pessoas que estão sob sua ocupação. Isso nunca aconteceu na história da humanidade.

Mas mais do que isso: Israel acaba de declarar punição coletiva contra a população de Gaza. Cortando eletricidade, água, fornecimento de alimentos e de medicamentos.

O nível de enviesamento em relação a Israel não tem precedentes. Muitos continuam dizendo que Israel tem o direito de se defender, ignorando que os palestinos também são seres humanos que têm o direito de se defenderem.

É inacreditável que Netanyahu discursou nas Nações Unidas, há apenas duas semanas, carregando um mapa de Israel com a Cisjordânia, a Faixa de Gaza, Jerusalém e as Colinas de Golã anexadas ao seu território. Ninguém criticou isso, exceto o governo alemão.

E o que acontecerá agora?

Acho que existem duas possibilidades. Uma é que as pessoas tenham bom senso e aceitem o que os palestinos estão oferecendo, que é a troca imediata de prisioneiros.

Incluindo a libertação de mulheres em Gaza e na Cisjordânia, depois a troca do resto dos prisioneiros e o cessar-fogo completo. Depois, a abertura de um diálogo sobre a possibilidade de pôr fim a esta situação, que é a ocupação mais longa da história moderna.

Mas duvido que essa possibilidade aconteça porque penso que Israel acredita que, agora, reuniu boa parte dos governos da comunidade internacional. E vê isso como uma oportunidade para esmagar completamente Gaza e a causa palestina.

Isto é o que Netanyahu planejou fazer. Ele e o seu governo falam constantemente em anexação. E até em limpeza étnica. O resultado disso poderá ser uma explosão no Norte e a adesão do Hezbollah [grupo ligado ao Irã] à luta.

A que isso levará? Acho que é muito difícil dizer, mas este é um cenário muito possível dado que Israel está arrastando a situação para isso. Netanyahu tem muito interesse em arrastar o confronto porque está fadado a ser demitido devido ao seu fracasso em evitar o ataque.

Exército, inteligência e governo falharam completa e totalmente. E a primeira conclusão de qualquer comissão de investigação será que ele deverá renunciar. O que significa que irá para a prisão, até porque há quatro casos de corrupção contra ele. Então, esse homem fará qualquer coisa. Ele está pronto para matar a mãe a fim de permanecer no poder.

E penso que deveria ser descrito como um criminoso de guerra, o pior tipo de criminoso de guerra, quem se atreve a chamar o povo palestino de animais [Yoav Gallant, ministro da Defesa israelense, chamou os moradores de Gaza de “animais”].

Mas esmagar os civis em Gaza, ou seja, aplicar muita força na resposta, não levará a comunidade internacional a se voltar contra ele?

Isso vai acontecer, mas levará tempo. Neste exato momento, o mundo está em choque. E, claro, porque muitos civis israelenses foram mortos. Israel está abusando dramaticamente disso.

É triste reconhecer que isso pode acontecer depois que 2 mil, 3 mil palestinos forem mortos e quando as imagens com crianças morrendo circularem pelo mundo. Aliás, já estão circulando. Aí então, que as coisas devem mudar.

A propósito, os colonos israelenses [o governo israelense instalou assentamentos em áreas que pertencem à Palestina] já estão atacando palestinos em todo o lado na Cisjordânia. E acabamos de ter um caso de um garotinho que os colonos tentaram queimar vivo. Ele foi levado ao hospital com queimaduras muito graves pelo corpo.

Portanto, o que enfrentamos aqui não é apenas o exército israelense, mas também colonos que estão armados até os dentes e que continuam a atacar os palestinos.

E a própria Cisjordânia está agora sitiada porque as estradas estão bloqueadas com 640 postos de controle militares, que dividem os palestinos em 224 pequenos guetos.

As ações do governo de Israel em Gaza e dos colonos dos assentamentos israelenses na Cisjordânia pode dar início à terceira intifada?

Já estamos na terceira intifada [a primeira começou em 1987, a segunda em 2000]. Vocês estão acostumados com certo tipo de intifada, mas nós vivemos agora um tipo diferente, que vem em ondas.

E acho que agora que a Autoridade Palestina falhou completamente e o Acordo de Oslo [para a paz entre os dois povos, que completou 30 anos] morreu e a população jovem palestina compreende que Israel entende apenas a linguagem da força, ela se volta cada vez mais para a luta contra esta ocupação. Não só a ocupação, mas também contra o pior sistema de apartheid.

O que é intifada? A intifada, na minha opinião, consiste em três coisas: confiança em si mesmo, auto-organização e desafio à ocupação israelense. E é exatamente isso que está acontecendo em todas as aldeias e cidades da Palestina.

O governo brasileiro, que está à frente do Conselho de Segurança da ONU, afirmou que quer ajudar a evitar a escalada da violência na sua região. Como o Brasil poderia ajudar? Qual mensagem mandaria a Lula?

Conheço pessoalmente o presidente Lula. Eu o encontrei uma vez antes de ele se tornar presidente em Porto Alegre [durante o Fórum Social Mundial], depois eu o encontrei após ele se tornar presidente e nossa última reunião foi no Qatar, quando ele já havia deixado a Presidência.

Creio que ele conhece a causa palestina muito bem. O que precisamos agora é de uma voz muito sólida e forte que apoie o direito dos palestinos a serem livres da ocupação e do apartheid.

O senhor Modi, primeiro-ministro da Índia e também membro dos Brics, imediatamente ficou ao lado de Israel.

Tenho certeza de que precisamos de uma voz equilibrada. A China e a Rússia recusaram a narrativa israelense, e não sei se o presidente Lula ou o governo brasileiro já se pronunciaram, mas espero que condenem esses ataques a Gaza o mais rapidamente possível.


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