19/05/2024 - Edição 540

Comportamento

Viajar para a Europa virou luxo

Em reais, valor médio de passagens de ida e volta entre Brasil e Europa quase dobrou desde 2019 e hoje equivale a quase o triplo da renda mensal do brasileiro

Publicado em 26/08/2022 2:15 - Fábio Corrêa – DW

Divulgação Pixabay

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Para a grande maioria dos brasileiros, está cada vez mais difícil viajar para o exterior – principalmente para a Europa. Se nos últimos dois anos a grande complicação eram as restrições anticovid impostas por países europeus a turistas vindos do Brasil, agora, com o fim delas, o empecilho número um passou a ser econômico.

De acordo com dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o preço médio de uma passagem de ida e volta do Brasil para o Velho Continente, considerando todas as classes, passou de US$ 946,67 em maio de 2019, ano anterior à pandemia, para US$ 1.472,76 em maio de 2022 – uma alta de 55%.

A diferença nos preços das passagens fica ainda maior se considerada a alta do dólar. Considerando a variação da cotação no período analisado  – R$ 3,9228 no fim de maio/2019 e R$ 4,7315 no mesmo período de 2022 –, a diferença em reais chega a 87,6%, de R$ 3.713,59 para R$ 6.968,36.

Isso tudo sem levar em conta os valores gastos com hospedagem, alimentação e lazer, em euro e dólar. Num país em que a renda média da população segue pressionada pela inflação, viajar para o exterior é hoje um luxo para a classe média.

O preço médio de bilhetes de ida e volta para a Europa segundo os números mais recentes da Anac (US$ 1.472,76, R$ 6.968,36) corresponde a quase o triplo da renda média do brasileiro – que foi de R$ 2.447 mensais em 2021, de acordo com o IBGE.

Segundo levantamento feito pelo site de buscas Kayak a pedido da DW Brasil, o valor médio das passagens para o trecho de ida entre os aeroportos de Guarulhos (SP) e Frankfurt (ALE) passou de R$ 5.431 no segundo semestre de 2021 para R$ 7.706 no primeiro semestre de 2022, uma alta de 41% na comparação da média seis meses de cada período. Os números do Kayak levam em conta os preços ofertados já com as taxas dos aeroportos. Já o valor da Anac é sobre os bilhetes que foram vendidos, e não leva em conta taxas dos aeroportos.

Por que ficou tão caro viajar para o exterior?

Segundo economistas e companhias aéreas consultadas pela DW Brasil, a subida nos valores ocorre por causa da desvalorização do real, da alta no preço dos combustíveis impulsionada pela guerra na Ucrânia e da redução na quantidade de voos ofertados durante a pandemia.

Segundo a Anac, entre maio de 2019 e maio de 2022, a oferta de voos entre Brasil e Europa caiu em média 67%, índice semelhante à redução da demanda para esses trechos, de 68%.

A guerra na Ucrânia, por sua vez, afetou consideravelmente o preço dos derivados de petróleo em 2022, tais como o querosene de aviação (QAV), diz a Anac em nota. E esse fator é o grande vilão dos preços, aponta a entidade.

“Sob a ótica de custos, o QAV, que historicamente representa entre 30% e 35% dos custos da aviação civil, subiu 128,9% entre maio de 2019 e maio de 2022 no Brasil, e 109% internacionalmente”, afirma.

Por meio da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), as companhias aéreas endossam essa visão e não veem perspectiva de queda nos valores das passagens no curto e médio prazo. “A Abear entende que ainda é cedo para apontar uma tendência de queda nos preços das passagens aéreas por causa da volatilidade da cotação do dólar e do preço do barril de petróleo, devido à guerra na Ucrânia”, informa a entidade em nota.

A Abear também critica a atual política de preços da Petrobras. “O QAV é o item de maior ineficiência econômica para as companhias aéreas, correspondendo a mais de um terço dos custos do setor e sendo vendido em dólar para as empresas pela Petrobras.”

Petrobras e mercado oligopolizado

Para o economista Miguel Bruno, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a política de Preço de Paridade de Importação (PPI) adotada pela Petrobras durante o governo Michel Temer (MDB) pode ser apontada como um dos motivos para a alta nos combustíveis.

“Cerca de 90% do combustível de aviação é produzido no Brasil aos custos de produção do Brasil. Quando se atrela ao custo de produção do exterior, a estratégia é clara. No fundo a Petrobras está defendendo os interesses dos acionistas. Não tem motivo para pensar em privatizar a Petrobras se ela já pensa como empresa privada”, critica.

“A finalidade de se ter uma estatal é que ela pode agir na contramão do mercado, quando o mercado está desequilibrado em relação a oferta e demanda. Por ter um custo de produção e de extração bem menor que lá fora, pode reduzir a margem de lucro”, aponta.

Ainda segundo o economista, outro aspecto que dificulta a concorrência de preços no mercado aéreo é o fato de que, por ter poucas empresas, o setor fica oligopolizado. Dessa maneira, as companhias podem definir o preço em conjunto.

“Os preços são muito próximos [entre as empresas]. É o padrão típico de oligopólio. Isso pode mudar e se estabilizar. Mas você tem que ter um Estado mais atuante, tem que ter agências regulatórias mais idôneas, que tenham força política e autonomia para olhar para essa planilha de custos e ver se é possível”, considera.

Mudança de planos pesa no bolso

A alta dos preços nas passagens complicou também a vida de muita gente que teve que mudar os planos por causa do fechamento dos aeroportos durante a pandemia da covid-19. Foi o caso de Mário Castilho, de 41 anos, que mora em São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte.

“Trabalho em um restaurante à beira-mar, e por isso não queríamos praia nas férias. Os valores das passagens estavam muito atraentes e decidimos realizar a antiga vontade de conhecer a Itália”, conta ele.

Mário comprou bilhetes para o trecho São Paulo-Veneza em agosto de 2021, por R$ 2.650, para uma viagem na primeira semana de março de 2022. No entanto, com a manutenção da restrição do governo italiano a viajantes brasileiros, que se prolongou até os primeiros meses deste ano, ele resolveu cancelar e trocar a passagem para um voucher do mesmo valor, a uma semana do voo.

Para evitar problemas com futuras restrições, ele acabou escolhendo a Turquia como destino substituto – pela gastronomia e pela moeda menos valorizada em relação ao real.

Com o preço das passagens nas alturas, o voucher cobre, atualmente, apenas 30% do valor, já que o trecho agora está custando R$ 8.761. “Temos o prazo máximo para trocar o voucher no mês de setembro, e a dúvida de perder ou ir e gastar muito”, diz.

E o problema não afeta apenas quem quer passar férias no exterior. Brasileiros que vivem na Europa também estão tendo problemas para visitar parentes e amigos no país natal por causa dos altos valores.

O engenheiro e linguista André Teixeira, de 38 anos, mora em Berlim, na Alemanha, onde trabalha e cursa uma pós-graduação. Sem planos de voltar definitivamente para o Brasil no curto prazo, o mineiro estava mantendo a regularidade de visitar o país pelo menos uma vez por ano para não perder os laços – ritmo que teve que ser interrompido neste ano.

“Nos últimos anos, achava passagens com valores de 600 a 900 euros, se me programasse com antecedência. Mas, neste ano de 2022, o valor que eu tenho encontrado para os momentos em que eu posso viajar, mesmo com bastante antecedência, está girando em torno de 2.000 euros. É um valor exorbitante, uma coisa absurda”, diz ele, que tem sido flexível e procurado passagens saindo da capital alemã para Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP), cidades onde tem família.

Poucos turistas estrangeiros no Brasil

A dificuldade para achar voos em valores razoáveis para o Brasil também vem afetando a indústria do turismo no país. Se o movimento interno tem se recuperado com a melhoria dos índices da covid-19 nos últimos meses, principalmente por causa da vacinação, o mesmo não acontece com o fluxo de estrangeiros para destinos brasileiros.

É o que aponta o responsável pelo Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade da Confederação Nacional do Comércio (Cetur/CNC) e da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA), Alexandre Sampaio. Segundo ele, a retomada do fluxo de viajantes dentro do país é impulsionada principalmente pela volta dos eventos corporativos e deve atingir o nível pré-pandêmico até o fim deste ano.

Já o fluxo de turistas estrangeiros para o Brasil ainda equivale a em torno de 40% do registrado até fevereiro de 2020, antes de a pandemia ser decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Não temos uma oferta significativa e nos patamares pré-pandêmicos para voos internacionais. Com os preços exponenciaram por causa do câmbio, esse processo (de recuperação) tem sido um pouco mais lento”, afirma Sampaio, que lembra que a má imagem do Brasil durante a pandemia também contribuiu para a situação atual.

Agora com um programa de vacinação “amplo e exemplar” no Brasil, Sampaio prevê uma melhora no fluxo de turistas internacionais durante o verão na América do Sul e consequente inverno na Europa, mas com perspectivas de retorno aos patamares pré-pandêmicos somente em 2024.

Sobre o preço das passagens, a expectativa de Sampaio é que, com a consequente vinda de mais estrangeiros para o país no fim do ano, haja uma maior oferta de voos, e os preços recuem. “A vinda de turistas internacionais vai induzir as companhias estrangeiras que vêm para cá a fazerem promoções para levarem esses aviões de volta com os assentos ocupados. Assim, essas passagens tendem a ter uma oferta durante o inverno lá com preços competitivos.”

Segundo ele, é também importante que haja um investimento no setor de modo a atrair mais companhias para o Brasil, aumentar a oferta de voos e, assim, reduzir o preço. “O fato de ter do lado de cá só três companhias voando [Latam, Azul e Gol] limita a concorrência. Elas vão ter que trazer mais equipamentos, mais leasing, já que há oferta de poucos assentos. Há uma população enorme que viaja. Precisamos criar condições para isso”, conclui.


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